Deportada
Soltaram-na ia o navio em mar alto. Tão acostumada estava a algemas, cubículos sombrios, rostos fechados que tanta largueza a perturbou de início e a fez feliz o resto da vida. Quando desceu com a sua pouca bagagem tinha toda a liberdade possível e meia dúzia de tostões para começar a vida onde ninguém a conhecia e onde nenhuma ligação havia entre ela e aquela África. Não podia, de modo algum, perder tempo e era uma bênção ninguém lhe conhecer o passado. De empregada doméstica a dona de tabacaria com venda de jornais, Clotilde foi tudo. Diziam que ganhava bem mas nunca ostentou riqueza nem ninguém lhe conheceu família até chegar a filha que deixara em Lisboa. Quando começaram a correr os boatos, ela já era uma mulher madura, decidida, trabalhadora. Com raros amigos e muitos conhecidos implantou-se na cidade e fez-se respeitar. Nunca mais teve homem algum. O que lhe morrera às mãos marcou-a com pancadas e traições. Poderia ter fugido de casa mas… para onde? Que lugar havia onde ele não chegasse? Ao tempo, a mulher era só uma moira de trabalho sem direitos. Bem pensara em emigrar, mas ele travara todas as hipóteses de fuga. Matou-o como quem livra o mundo de uma praga e, a seguir, com uma tranquilidade perfeita, entregou-se à Guarda. Depois, deportaram-na. A sua vida recomeçara quando chegou.