Em Maus Lençoís
Eric do Vale
A secretária me avisou que o chefe queria falar comigo, em particular. Eu sabia que aquilo iria acontecer e por isso, já estava preparado. Antes de entrar, eu me benzi e falei para mim mesmo: “Seja o Deus quiser.”. Lá estava ele, sentado naquela cadeira e dando umas cachimbadas.
Assim que me viu, fez um gesto para que eu me sentasse. Depois, abriu a gaveta da escrivaninha, pegou um caderno, tirou o cachimbo da boca, e disse:
-Presumo que isto seja seu.
Não havia como negar, pois o meu nome estava escrito nele.
-É de conhecimento de todo mundo, aqui nessa empresa, que você costuma fazer anotações nesse caderno. _ Disse ele.
Permaneci em silêncio, dando a entender que aquilo era verdade.
Não me lembro bem sobre o que eu, ontem, estava escrevendo nele, quando entrei na sala do chefe para entregar-lhe um documento. Minutos depois, percebi que o tinha esquecido na sala dele.
Fui avisado pela secretária que o chefe tinha acabado de sair e só voltaria no outro dia. Segurando o meu caderno, ele indagou-me:
-Então, temos aqui um escritor?
Naquele momento, pensei: “Ainda bem que, ontem mesmo, ajeitei o meu currículo e comecei a enviá-lo.”. Então, o chefe continuou:
-Tomei a liberdade de ler o que estava escrito nele.
Era o que eu mais temia e já imaginava até o que ele iria dizer: “Por favor, não fale. Não diga nada e nem ouse argumentar.”. Dito e feito:
-Por favor, não fale. Não diga nada e nem ouse argumentar.
Ele tinha que dizer aquilo. E prosseguiu:
- Eu sei que o que fiz é ilegal, mas espero que entenda.
Ao entregar-me o caderno, falou:
- Vou te dar um conselho: procure fazer caligrafia. Não vou negar que muito me interessou saber o que você tinha escrito nesse caderno, mas, francamente, essa sua letra é uma negação! Por isso, não entendi porcaria nenhuma.
Mal sabia ele que aquilo me deixou bastante aliviado, pois, apesar de tudo, o meu pescoço estava a salvo.