LEONOR DE ÁUSTRIA, RAINHA DE PORTUGAL E DE FRANÇA

Corria o décimo terceiro dia do mês de Dezembro de 1521 e as exéquias d’el-rei D. Manuel I, o Venturoso.O reino de Portugal vestia de luto carregado.

O futuro D. João III aproximou-se da madrasta tão jovem como ele e curvou-se numa vénia para lhe expressar oficialmente os seus sentimentos.

Mas quando os olhares dos dois se cruzaram um entendimento súbito e instintivo e sem palavras transmitiu a dura verdade que o ainda Princípe comunicou a D.Leonor, rainha viúva de Portugal e Algarves,

“Desejo-vos tanto como no primeiro momento em que vos vi e que soube que o meu velho e traiçoeiro Pai decidira enlevar-vos na mira de se tornar rei de toda a Peninsula Ibérica.O hipócrita que se dizia devastado com a morte da rainha minha mãe e jurara acabar os seus dias fechado num convento em memória do seu Amor.Foi sempre um incorrigível invejoso”.

Leonor sentiu um frémito caloroso, pressentiu o perigo, o escândalo e a desfaçatez.Pegou na filha de tenra idade,a infantinha Maria e poucos dias depois refugiou-se no Convento de Odivelas.

Já aclamado rei, D.João III não aceitou tal decisão, não consentindo que a madrasta, sua antiga prometida e pela qual se apaixonara se afastasse tanto do paço.

Dª Leonor volveu então ao Convento de Xabregas e começou uma vida de religiosa professa.Missas diárias, ofícios divinos, austeridade e obras pias.Acudiu à terrível seca de 1521.

O jovem rei ia visitá-la frequentemente.O seu amor pela madrasta parecia intacto com o passar do tempo.Ela parecia mesmo corresponder-lhe.

- Senhora!

- Senhor!

-Nunca deixei de amar-vos…

- Por Cristo, parai.Sossegai.Infelizmente não podemos…Senhor, largai-me, por Deus!

Os dois agarrados tremiam e as noviças à espreita sentiam arrepanhar-se o ventre numa amarga transferência do drama que aqueles dois viviam.

A Madre Superiora quedou-se furibunda quando se apercebia que algumas jovens freiras sonhavam durante a noite e apareciam meias tontas às matinas com um sorriso embevecido.

O embaixador de Castela em Lisboa, Cristovão Barroso insinuou junto do seu rei, Carlos V que aquelas visitas do Rei ao convento já não se tratavam de mera cortesia.

- Consta mesmo que o povo de Lisboa já murmura e tenha feito representação junto deles, pedindo que se casassem.

- Que insanidade!É quase incesto!Sua Santidade o Papa nunca iria consentir em tal matrimónio – bradou e opôs-se o rei de Espanha – mande já pedir a D.João III o beneplácito para que Dª Leonor volte para Castela quanto antes.Em torca proponha-lhe o casamento com, Dª Catarina de Austria, a nossa irmã mais nova, cativa desde criança com a nossa pobre Mãe em Tordesilhas e que oferecerá à partida mais garantia de descendência para o reino de Portugal.

Engano o seu como mais tarde se viria a provar.

E assim, a contra gosto D.João III acedeu:

- Para grande desgosto meu entre os deveres de um Rei, por vezes valores mais altos se levantam.

E assim já depois do casamento do rei com sua irmã, Dª Leonor saiu de Portugal no mês de maio de 1530 com os infantes D.Luis e D.Fernando, seus enteados, D.Jaime, o duque de Bragança e outros fidalgos.Debalde, a rainha tentou levar consigo sua filha, a infanta Dª Maria que só reveria no ano da sua morte.

Após a batalha de Pavia, depois da morte da filha de Luis XII de França e na sequência de tratados e contratos de paz foi estipulado o casamento político de Dª Leonor com Francisco I de Valois, celebrado a 4 de Julho de 1530 na abadia de Capsieux em Baiona.

Foi coroada solenemente na basílica de Saint-Denis em março de 1531.Os cônjuges partiram de seguida para Paris.

A nova rainha de França abominou a corte francesa voluptuosa e tentou esquecer-se na oração e nas obras de caridade as infelidades constantes do marido.Viveu desgostosa e infeliz, encerrada nos seus aposentos e foi um alívio quando voltou a enviuvar desta vez sem posteridade alguma em 1547.

Dez anos mais tarde, o seu antigo noivo, D.João III também exalava o último suspiro.

Entretanto, Dª Leonor retirou-se para a Flandres onde estava seu irmão e depois para Espanha a Taqlavera Real, perto de Badajoz.

Desejosa de ver a filha que abandonara em criança solicitou a graça a sua irmã, a Rainha regente Dª Catarina , dizendo mesmo que não queria morrer sem a ver e dispôs-se a vir a Badajoz em 1558 onde se demorou vinte dias com a infanta Dª Maria.

Mas se pretendeu reconciliação ou amor, nada conseguiu porque a filha foi muito fria e distante.

- Tenta compreender que não pude levar-te então comigo, embora quisesse muito.Tanto Portugal como Espanha não o permitiram.Estavas na linha da sucessão.

- E meu pai tinha-me reservado um grande dote que a ser pago um dia deixaria os Cofres do Reino quase vazios.

- As princesas reais são meros joguetes numa luta de influências e interesses.

-E de ambições desproporcionadas e injustas.Minha Mãe,deixaste-me uma criança e não quiseste saber de mim.Fiquei à mercê do rei meu irmão e teu apaixonado patético.Ele nunca me deixou casar e partir.Ser feliz.Nunca abriu a mão do elevado dote que me fora atribuido.Não te perdoarei nunca.Destruiste a minha vida.

- O trono e as lágrimas, Maria.Eu tinha vinte anos e nenhum poder ao meu alcance.

Leonor adoeceu gravemente e quinze dias depois de regressar a casa, faleceu.

O seu cadáver foi depositado em Mérida e, anos mais tarde, transladado para o mosteiro do Escorial.

A filha herdou da mãe muitos bens em Castela, França e Portugal.

Dª Leonor de Austria, a que outrora fora rainha de dois reinos havia encomendado a tradução e composição em castelhano de salmos e cânticos, muitos que se entoam nas Horas dos Finados. E também outros textos de livros de grande raridade impressos em Antuérpia.

E como empresa para a representar a imagem de uma ave fénix ateando o fogo com as próprias asas e como legenda, as palavras em latim: “unica sempre avis”.

José Manuel Serradas
Enviado por José Manuel Serradas em 17/05/2021
Código do texto: T7257690
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.