Fadiga
Eu não tenho certeza se ele recebera o nome por causa do santo, mas Bernardo dizia-me que o mundo não era mais o mesmo. Não, ele não dizia que o mundo tinha mudado por que agora era um adulto. Não, não era isso. Era algo mais profundo, mais real.
Ele dizia que o mundo perdeu seu encantamento e quando você dizia que esse desencantamento já tinha ocorrido há tempos, desde o Renascimento, ele dizia que esse primeiro sentimento não passava de rebeldia juvenil da humanidade.
Para Bernardo, a humanidade alcançou a velhice e se encontra extremamente exausta. Nada mais a satisfaz, como dizia o sábio judeu: "todas as palavras estão gastas".
E justamente na era da tecnologia da informação que se utiliza a palavra cotidianamente, esta não mais consegue dar ânimo, mas é uma enxurrada de mesmices.
Bernardo me dizia: "Veja essa polarização, meu velho, na verdade não tem nada de político ou filosófico nela, não passa de exaustão." E emendava: "Ora, veja essa turba de intelectual enchendo a conta de dinheiro com uma verborragia doentia e entediante."
- Sim, Bernardo, mas as pessoas enchem os auditórios para ouvir essas palavras gastas.
- Ora, não seja tolo, meu velho, elas estão ali por mera dissimulação, para tirar selfies, para parecerem pessoas ilustradas e encher suas redes sociais de fotos com gurus ultrapassados e chatos.
Era difícil de vence-lo nisso. Não que ele estava em disputa, mas a sua compreensão sobre os nossos dias era certeira.
Bernardo, nos últimos dias entrou numa profunda melancolia. Ele vivia repetindo que estava extremamente velho e cansado, mas era pura melancolia.
- Ah, se pelo menos a humanidade ainda tivesse coragem, talvez poderíamos fazer alguma coisa com essas palavras gastas.
- Mas Bernardo, há muita coragem no mundo.
- Meu deus, como você é crédulo! Você é um verdadeiro exemplar desses dias entediantes. Não me venha falar dessa coragem parva de nosso cotidiano que dissimula lutar lutas vencidas e sem sentido! Não há mais por que lutar, já conquistamos tudo, já vimos tudo, já sabemos de tudo e, principalmente, já desbravamos o Homem, não há mais nada para saber, somente essa eterna repetição cansativa e parva.
Deixei o cemitério no fim da tarde. Dei o último adeus ao meu velho amigo que agora descansa eternamente de sua tremenda fadiga.