Uma nova história

Carlos estava nas últimas. Ou talvez estivesse só no começo de um dia muito muito ruim. Era só uma questão de perspectiva...

Ele esvaziou mais uma garrafa de cerveja e pediu outra. Várias se seguiriam ainda, antes que pudesse se sentir um pouco melhor. Ele estava testando a profundidade do poço que tinha se enfiado. Só pra ter certeza se tinha chegado no fundo. O bar estava quase vazio e a rua cheia de carros. Pessoas que tinham algum objetivo na vida caminhavam pelas calçadas e ele não as invejava. De forma alguma. Talvez invejasse a sobriedade delas no dia seguinte, quando a ressaca lhe atingisse direto na cabeça. Mas aí ele tomaria um banho, e voltaria para o bar assim que o estômago lhe permitisse. E seria assim enquanto tivesse algum dinheiro em sua conta. Depois disso teria que procurar um novo emprego, ou meter uma logo bala no meio do juízo pra evitar toda a fadiga e a frustração.

O garçom trouxe uma nova garrafa e encheu o seu copo. Carlos podia sentir o olhar do homem sobre si. Um olhar cheio de pena e familiaridade. Um olhar de quem já tinha visto várias vidas se perderem daquele jeito. O garçom não disse nada e se afastou e Carlos voltou a beber.

Ana apareceu no bar pouco tempo depois. Foi direto até a mesa onde ele estava sentado. Sentou-se bem ao seu lado e ficou encarando, enquanto Carlos esvaziava mais um copo.

- Até quando você vai ficar desse jeito? – Ela perguntou.

- O tempo que eu precisar.

- E quanto tempo vai ser isso?

- Quem se importa?

- Eu me importo.

- Puta merda. Não vem com esse papinho uma hora dessas.

- Ah. Então vá se fuder. – Ana disse, se levantando da cadeira.

- Que diferença faz pra você?

- Me dói ver você se desperdiçando desse jeito, sem motivo.

- Sem motivo?

- É. Nada justifica isso.

- É o que, caralho? Eu fui feito de idiota por quase dois anos. Você sabe o que é isso? Sabe o que é amar uma pessoa com todas as forças e descobrir que essa pessoa vinha lhe passando pra trás? Sentando em tudo quanto é rola quando você virava as costas?

Ana respirou fundo e se sentou novamente.

- Você realmente acha que é a única pessoa que passou por algo assim?

- Claro que não. Mas eu só posso falar do que estou sentindo agora. E se eu quiser encher a cara até esquecer essa merda toda... ou até morrer mesmo, acho que não vai fazer diferença pra ninguém.

- Vai fazer pra mim. Eu sou sua amiga, caralho.

- Eu fico feliz por saber disso. Fico mesmo. Mas eu não consigo ver muito motivo pra me levantar da cama e procurar seguir com minha vida. Não sei quando vou conseguir me perdoar por ter sido tão otário. Não sei quando vou conseguir voltar a confiar em alguém novamente.

- Toda essa autoflagelação não combina com você. Existem outras mulheres no mundo. Outras histórias pra você viver.

- Ah... E o que as mulheres de hoje em dia fazem, além de se maquiar, rebolar e mentir? Com todo o respeito. Eu perdi a fé no ser humano. Eu sei que o sexo masculino é bem pior que isso, mas foi de uma mulher que veio a rasteira que me jogou no chão.

Ana olhou pra Carlos com os olhos faiscando. Afastou o cabelo da testa e mostrou uma cicatriz.

- Tá vendo isso aqui, seu filho da puta? Sabe o que foi isso? Foi uma coronhada que tomei do meu ex-marido. Apanhei muito dele... E foi por pouco que não morri. Vocês homens são mesmo uns privilegiados. Quando um homem se relaciona com uma mulher tóxica, vocês podem até ser traídos, ou ela vai fuçar as coisas de vocês no celular e até quebrar umas coisas dentro de casa. Já quando uma mulher se relaciona com um homem tóxico, em grande parte das vezes ela morre. Simples assim.

Carlos ficou olhando pro copo de cerveja, sem ter coragem de encarar sua amiga. Então finalmente murmurou.

- Não estou aqui pra comparar nossas tragédias.

- Nem eu estou aqui pra isso. Eu estou aqui pra ver se consigo te tirar desse buraco em que você se enfiou. Mas se você quiser ficar aí e beber até morrer, eu só posso dizer que sinto muito. Vou chorar no seu enterro, mas não vou derramar mais nenhuma lágrima enquanto você estiver vivo.

Ana se levantou e saiu do bar sem dizer mais nenhuma palavra.

Carlos conferiu a garrafa de cerveja e viu que só restava um dedo de cerveja.

Bebeu o conteúdo de uma vez só, se levantou e pagou a conta.

Cambaleou até o seu apartamento. Entrou em casa e juntou todas as coisas que sua ex-mulher o havia dado, e que não tinha tido coragem de tirar do lugar. Encheu um saco preto com tudo. Abriu a gaveta do criado mudo e pegou o revólver que guardava lá e botou na cintura.

Deixou o saco na lixeira do prédio e seguiu andando pelo meio da noite até a ponte mais próxima. Parou na calçada e olhou o rio correndo por baixo. Meteu a mão na cintura e conferiu o revólver.

Aquele parecia um lugar apropriado.

Puxou a arma e jogou dentro do rio sem pensar duas vezes.

Atravessou a rua se desviando dos carros e tomou o caminho de volta pra casa.

Uma chuva pesada desabou, como se o mundo estivesse prestes a cair. De alguma forma, sentiu suas dores sendo levadas junto com a água.

Subiu as escadas do seu prédio e entrou em casa. Tirou as roupas no banheiro e tomou um banho quente.

Vomitou, escovou os dentes e se jogou na cama.

Do lado de fora o céu parecia que ia rachar a cada trovão que ecoava.

Adormeceu, apesar do barulho.

Estava cansado. Cansado de tudo. Mas enfim, talvez pudesse começar algo novo, mais uma vez, assim que o sol levantasse.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 14/04/2021
Código do texto: T7231489
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