D.DINIS.INFANTE DE PORTUGAL E SENHOR DE CIFUENTES

A clarividência. Fora sempre o seu alvo e preocupação.Ele semicerrou os olhos e pensou:

“Vou desaparecer na poeira do tempo.A História deixará de saber quem fui nem o que foi feito de mim.Melhor assim…talvez não me merecessem…”

Sabe-se a data do seu nascimento(1354) mas ignora-se a data da sua morte (depois de 1398).Em plena Idade Média, período de trevas e tempo de bastardos.

Era o filho mais novo do futuro rei D. Pedro I e D.Inês de Castro (feita rainha depois de morta), protagonistas da mais bela e trágica história de amor portuguesa.

Dizia-se que teria herdado o feitio colérico e espírito justiceiro do pai e a beleza segura e distinta da mãe, “o colo de garça” celebrado por poetas, escritores e dramaturgos de Camões a Montherland.

A sua vida foi recheada de violência e aventura e de uma cruel e saudosa nostalgia.

Ainda criança de tenra idade assistiu ao desconcertado e cobarde assassinato da sua progenitora cujo único e fatídico erro fora deixar-se amar pelo ainda princípe e herdeiro da coroa.Fora espectador inocente e aterrorizado da raiva e revolta selvagem do pai contra o crime bárbaro de que a sua Amada foi vítima, do comportamento errático e impetuoso do avô D.Afonso IV e da inteligência e tacto de sua Avó, a rainha injustamente esquecida, Dª Beatriz que teve um papel decisivo nas assinaturas de paz e conciliação entre o marido e o filho.

D.Pedro tudo fez para legitimar os filhos com Dª Inês.Providenciou-lhe a doação de terras e julgados que lhe renderam anualmente milhares de libras em dinheiros portugueses.

Mas a sua grande cena ocorreu durante o espectáculo patético do beija mão real ao rei seu irmão, D.Fernando I e da sua amante feita rainha de um dia para o outro, a maldosa e impúdica, Dª Leonor Teles, “a flôr da altura”.

O ambiente estava ao rubro, ressentido com o descaramento do rei alçar a esposa uma mulher com um passado dúbio.Toda a côrte presente com a nobreza e o alto clero em peso, expectantes.

E logo, em segundo,pela ordem nobiliárquica, depois do irmão, D.João de Castro se ter sujeitado a tanto, D.Dinis fez vista grossa à cunhada e foi directamente prestar vassalagem ao noivo, seu irmão e rei.

D.Fernando interpelou-o:

- D.Dinis, irmão,ide beijar a mão da rainha.

- Meu rei e senhor.Se não o fiz foi porque achei que uma mulher casada,já com um filho e adúltera ainda que vos tivesse seduzido de tal jeito a toldar-vos o juízo e o discernimento não é digna do título de rainha!

- Traidor!Como ousais fazer-me tal afronta?

- Lamento meu senhor e rei mas na verdade e no caso, ela é quem devia beijar-me mão e não eu a ela.

Puxaram ambos das adagas e se não fossem os aios de um e de outro que os seguraram a cerimónia teria terminado em sangue.

Houve gritos e desmaios entre as damas e uma exclamação geral na assistência.Só a infanta, D. Beatriz,irmã de ambos e também filha de D.Inês de Casto pareceu não ficar surpreendida e esboçar um sorriso pelo desacato feito à ardilosa cunhada.

Na emotiva despedida, o seu aio , Gil Vasques de Resende ter-lhe-à dito:

- Senhor,não sei que lugar a História vos reserva mas este escândalo há-de percorrer os séculos à desfilada e muitos serão os que hão de ver no vosso acto uma coragem sublime ou uma loucura desvairada.

D.Dinis foi então afastado da côrte e entrou ao serviço de Castela e de seu rei Henrique II, tendo-o acompanhado na invasão de Portugal em 1372.

Depois de assinada a paz partiu com Henrique II para Castela onde passou a viver.

Com a morte de D.Fernando e a crise de 1383-85,foi candidato ao trono de Portugal.O hábil e tortuoso advogado João das Regras nas côrtes de Coimbra alegou a sua não consideração por ser simpatizante do partido castelhano e defendeu antes o direito à coroa do seu meio-irmão D.João, mestre d’Avis.D.João de Castro, seu irmão mais velho, estava também excluído como autor do assassinato de sua mulher Maria Teles, vítima de uma intriga dolosa urdida por sua própria irmã, a rainha Dª Leonor Teles.

“Não prestei vassalagem à barregã do meu irmão e vou agora ter que o fazer ao filho da criada”, torturou-se D.Dinis.

A mãe do Mestre d’Avis era Teresa Lourenço, uma aia de Dª Inês em Coimbra ou uma mulher desconhecida do povo, filha de um mercador.

Em finais de 1387, D.Dinis chegou ao Porto para servir o rei português mas D.João I sentiu-se ameaçado com a presença do infante e resolveu montar-lhe uma armadilha, encarregando-o de uma falsa missão em Inglaterra para o afastar.

D.Dinis partiu de boa fé mas foi logo preso pelas autoridades inglesas que tinham recebido cartas contra ele por parte do rei português.

Ricardo II de Inglaterra nunca o recebeu mas acabou por mandá-lo libertar.

D.Dinis procurou fugir mas junto ao estuário do rio Escalda foi atacado por pescadores.Pediu a seu irmão que pagasse o resgate mas D.João I recusou-se.

Recorreu ao conde de Flandres que o resgatou com o compromisso de ele lhe devolver o dinheiro no prazo de um ano, condição que ele não viria a conseguir cumprir.Fora então conduzido para Bruges.

Luis II de França vendo que o princípe não tinha valor monetário de resgate devolveu-o aos pescadores para que eles fizessem dele o que quisessem.Os pescadores apercebendo-se que o Conde tinha razão quando disse que ele não valia um tostão acabaram por soltá-lo.

Arruinado e faminto, o princípe partiu de barco até Navarra onde foi bem recebido.Ofereceram-lhe um cavalo com o qual partiu para Castela onde foi igualmente bem acolhido e acomodado no reino, sendo-lhe concedido o senhorio de Cifuentes e a mão de Joana Henriques, filha natural de Henrique II com quem teve dois filhos: Pedro, nome escolhido em memória do avô, o rei Justiceiro e Beatriz em homenagem à bisavó, a bondosa rainha consorte de D.Afonso IV.

Anos após a morte de João I de Castela, D.Dinis foi aclamado rei de Portugal por nobres portugueses exilados com o acordo da rainha consorte viúva, Dª Beatriz que renunciara nele os seus direitos como legítima herdeira da coroa portuguesa e que entretanto ingressara num convento.

Chegou mesmo a tentar uma mal sucedida invasão pela Beira e retornou a Castela para nunca mais voltar a solo português.

Com a morte prematura de sua irmã, a infanta Dª Beatriz que fora afastada da côrte portuguesa através de um casamento arranjado por D.Fernando e Leonor Teles em Castela com Sancho, conde de Albuquerque terminaria a saga infeliz dos filhos de um amor nefasto.

D.Dinis foi sepultado no Mosteiro de Santo Estevão de Salamanca e transladado posteriormente para o Mosteiro Real de Santa Maria de Guadalupe e o seu rasto de princípe destemido e lutador perdido no correr implacável dos tempos.

José Manuel Serradas
Enviado por José Manuel Serradas em 12/04/2021
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