Era uma vez, um príncipe (des)encantado...

Joana era uma bela mulher de, aproximadamente, 40 anos, bem sucedida, corpo escultural, mas sofria por não se sentir amada e não ter vivenciado um grande amor. Sempre sozinha e com alguns relacionamentos platônicos, amargava ao sabor de lágrimas copiosas, inconformismos e alfinetadas de alguns amigos e parentes ao se aproximar o dia dos namorados, festas cerimoniais, festas familiares, reuniões de amigos dentre outras comemorações capitalistas. Quando Joana havia perdido a esperança de ser amada, de encontrar a “pessoa certa”, o par perfeito, alguém para alegrar os seus dias, eis que fortuitamente encontrara um par de belos olhos a fitá-la insistentemente. Olhares se entrecruzaram. Um jovem tão atraente estaria a acompanhar seus movimentos com esmera solicitude, sentiu-se envaidecida, alguém a desejava em meio a tantas outras mulheres. Sim! Não estava a fantasiar. Que rapaz galanteador! Hum...bonito, gestos corteses, bom, não estarei perdendo nada nem causando danos ao retribuir tão graciosos cortejo, pensou. A maneira como somos cortejadas sempre fomenta a vaidade de uma mulher. Aproximaram-se, olho no olho, sorriso malicioso, um drink e um beijo ardente os uniram naquela noite como se já fossem velhos amantes. O beijo, o abraço, o toque tudo vibrava na mais perfeita sintonia. Afirmavam-se: estava à tua procura!     
         Joana que era tão observadora não quisera dar tanta importância às diferenças entre os dois. Dava a si mesma justificativas a fim de estabelecer a construção de uma união saudável, afinal “ninguém é perfeito”, “os homens culturalmente são mimados pelas mães”, “a mulher sábia edifica o lar”. Ora, não seria nada demais “aguentar/compreender” alguns comportamentos desnecessários, se aumentara a certeza de que estaria diante de um presente Divinal como forma de compensação por tantas desilusões e solidão. A carência afetiva faz-nos querer vestir nos outros a camisa que não lhes cabem, a querer remendar os sapatos para lhes caber a qualquer custo, a justificar que a tampa é, e só pode ser, daquela panela. Com o passar dos dias, o casal enamorado estabeleceu laços afetivos, firmaram relacionamento sério, idealizaram o futuro e seguiram, no entanto, sem o esperado final feliz como nos contos de príncipes e princesas ou comerciais de margarina.
          Para Joana, a aparente sincronicidade e os sonhos acalentados tornaram-se valiosos e respaldados ao enfrentamento de quaisquer turbulências. Os pequenos sinais de abusos psicológico e físico passavam despercebidos em nome de um “amor”, que mais tarde compreendera ser a falta de amor por si mesma. Ingênua, carente, doente, extasiada, presa às lembranças das  demonstrações amorosas e cuidadosas do passado, custava a acreditar que o príncipe, na verdade, não passava de um sapo perverso. João, cada vez mais, mostrava a verdadeira face perversa, deixando a representação do papel de um homem perfeito: aos poucos o ciúme (sinal de que te amo); aos poucos o isolamento (as pessoas não querem a nossa felicidade e sua família te explora); aos poucos a agressão verbal (você não presta, você é um lixo e ninguém vai querer ficar com você,  você está me traindo, quero ver seu celular); aos poucos a agressão física ( me perdoe não queria te machucar, você foi a culpada por eu ter feito isso); assim, aos poucos, destituem a sua vivacidade, destroem a sua vida.        
          Nossa história desencantada alcançou um final feliz, isto é, Joana não alimentou as estatísticas dolorosas de casos de FEMINICÍDIO, extrema manifestação da Violência Doméstica.  O relacionamento abusivo entre Joana e João (baseado em fatos reais) visa alertar  a maneira sorrateira que os abusos começam a se instaurar nas nossas relações. Precisamos discutir as dinâmicas abusivas, que não ocorrem apenas entre casais heterossexuais (partindo tanto do homem quanto da mulher), mas também entre casais homossexuais, entre irmãos, entre mãe e filhos, patrão e subordinado e entre amigos.
          Joana conseguiu com ajuda profissional e de amigos perceber o desrespeito e abusos que a ludibriaram, compreendendo que “a crença de que a felicidade depende do outro está por trás de todos os problemas de relacionamentos. Essa é a raiz do sofrimento nas relações humanas”(Sri Prem Baba). Todos nós realmente temos que depender de um companheiro (a) para sermos felizes? Devemos viver à espera de um príncipe ou princesa? Até quanto tolerar maus-tratos implica uma sabedoria doméstica? Será que realmente cada panela tem uma tampa? E as frigideiras, travessas, assadeiras, boleiras que não possuem tampas, no entanto, cumprem seus papéis, essas devem ser excluídas de seu valor social? As vítimas precisam tomar consciência e identificar em qual etapa de abusos estão inseridas, uma vez que o feminicídio é a última etapa. Impor limites ao outro de maneira a não anular sua essência, sua autoestima, sobretudo, seu auto amor. Decidir romper com o ciclo de abuso é difícil, porém libertador, haja vista que o abusador sempre busca atrair suas vítimas novamente com falsas promessas de mudança. Escolha ser para si mesma a melhor cuidadora e provedora de todo o amor de que és merecedora. Não tenha medo e nem se sinta culpada, pessoas tóxicas estão em todos os lugares, você não está sozinha.  Encante-se por si mesma sempre, eis a receita mágica para viver um grande amor.
FIM.
Aretuza Santos e Edlene dos Anjos
Enviado por Aretuza Santos em 10/04/2021
Reeditado em 11/04/2021
Código do texto: T7228921
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