O CASARÃO DE CERRO LARGO CAPÍTULO I I I

CAPÍTULO I I I - L U C I N H A-

Sem muitos recursos e já com pressa de ver a filha casada, Dona Ferminha tratou de fazer com que o casamento se realizasse em seguida, uma cerimônia simples,discreta e sem grandes comemorações. Apenas um almoço para poucas pessoas entre parentes e amigos muito chegados. Joana usou o vestido do casamento da mãe, que foi lavado e posto a quarar com cuidado e por sorte ficou perfeito apenas com alguns ajustes feitos pela Dona Aurora, uma costureira que fazia verddeiros milagres com poucos recursos naquelas paragens onde os tecidos a disposição eram os algodões e as chitas e só pessoas de mais posses compravam alguma seda ou outro tecido mais refinado, geralmente de mascates que viajavam em lombo de cavalo por léguas e léguas e faziam a alegria das mulheres dos fazendeiros e de Doralina e Morena, as donas de bordéis da região. Elas e suas meninas esbanjavam todo dinheiro em gastos com roupas e objetos de embelezamento, o que as tornava atraentes e seres estranhos naquelas paragens onde as mulheres se vestiam de forma muito simples e quase rústica, mesmo aquelas que possuíam alguma posição e fortuna.

Joana não ia mais ao sótão, pelo menos não sozinha. Fizera seu quarto lá em cima, usando móveis que a casa conservara e o seu enxoval guardado há muito tempo. Sempre havia algo a ser aproveitado numa casa que já tivera seus dias de fartura e um certo luxo.

Lucinha parecia absorta e não fazia mais os costumeiros estragos. Ao contrário, andava meio distraída, ficava tempo a olhar pros lados do rio, até ajudava a mãe em algum serviço doméstico. Dona Firmina cismava, hummm..., hummm..., aquilo cheirava a alguma mudança. A filha já fizera treze anos e começava a pentear-se com mais cuidado, reclamava das roupas velhas e de uns vestidos de criança.

Passou-se mais um ano e Lucinha estava com catorze. Mostrava agora umas formas de mulher que está desabrochando, os seios enchendo a roupa, os quadris se moldando em curvas, Estava mesmo bonita. Tinha longos cabelos negros e uma pele acobreada. Era uma sexta feira e ela tinha ido estender roupa. Franzindo um pouco a testa por causa do sol, ela estava entregue à tarefa quando alguém chegou ao portão. Foi assim que ele a viu e ficou totalmente encantado. Era Raul que voltava de Bagé onde ficara trabalhando até então.

-Lucinha! - gritou ele.

-Raul!!! e veio correndo em sua direção abraçando-o. Ele ficou meio constrangido mas a menina logo foi falando e perguntando e assim entraram casa adentro.

Joana mostrava uma enorme barriga de sete meses e Raul gritou ao vê-la surgir da cozinha:

_ Então, vem aí o meu sobrinho? Há de ser guapo como o tio e desandou a dar risadas.

Lucinha não conseguia disfarçar o entusiasmo que foi percebido pela mãe e irmã. E cada uma delas ficou a cismar com o que poderia advir de tal sentimento. Então dona Fermina apressou-se em indicar a direção em que estava Martiniano dizendo:

-Vai logo ver teu irmão, Raul, ele está lá no pasto cuidando de uma vaca que vai dar cria. E vendo que Lucinha se movia para acompanhá-lo, segurou-a pelo braço com firmeza cochichando ao seu ouvido:

-Não fica bem você se meter em assunto de homens. Você já não é mais criança.

Ela olhou pro rosto da mãe indignada e curiosa ao mesmo tempo. Então ela já era uma moça, uma adulta? Poderia casar com Raul, pensou em seguida. E foi ficando calma e pensativa. Dona Fermina ficou a cismar sentindo que devia ficar de olho na filha.

Mas Lúcia era matreira e passou a disfarçar mais seu entusiasmo pelo rapaz. Parecia até meio desinteressada dele. Tinha até rejeitado um convite para irem andar a cavalo pelo campo. Mas subterraneamente um vulcão crescia endemoniado e fazia a menina estremecer só de imaginar-se nos braços dele.

Passaram-se três semanas sem que nada de anormal indicasse à mãe atenta um interesse maior da filha pelo moço. Talvez fosse só amizade mesmo, concluíra a mulher. E ele também, sempre às voltas com o irmão nas lides da fazenda e com idas à vila decerto atrás de alguma china, parecia não oferecer grande perigo, pensara ela finalmente. Na verdade, o que Lucinha pretendia com aquele comportamento era, além de enganar sua mãe, deixar o moço mais interessado ao perceber seu pouco entusiasmo. E assim ocorreu. Ele começava a ficar cismado, às vezes era até meio rude com a moça, ou então fazia questão de chamá-la de pirralha, mal saída dos cueiros. Ela aguentava firme e se fazia de desentendida. O tempo foi passando e parecia que ele ficara de vez acampado por ali.. Pra dona da casa era bom ter mais um a ajudar no trabalho e ainda por cima sendo da família... Só que essa situação deixava a senhora sempre um pouco inquieta. Raul dormia num quarto separado dos outros. Ficava nos fundos, atrás da cozinha e fora usado anteriormente como depósito ou coisa assim. Já Dona Fermina e Lucinha dormiam num quarto na parte da frente da casa, ao lado da sala de jantar. Passou-se o tempo da gravidez e Joana entrou em trabalho de parto. A parteira foi chamada, uma empregada se encarregou de preparativos e ficaram todas no quarto do sótão com Joana. Martiniano veio correndo mas foi logo mandado pra baixo e que esperasse lá na cozinha ou desse umas voltas. Pegou seu cavalo e saiu campo afora. Mas tudo correu bem e quando voltou pouco depois do meio-dia lá estava o menino recém nascido nos braços de sua mulher. E então os dois homens se puseram a fazer brindes e beberam muito. O almoço saiu tarde e todos foram descansar um pouco. Perto do anoitecer, Lucinha foi até as cocheiras, pegou seu cavalo baio, colocou os arreios e passou bem perto da casa, fazendo bastante ruído. Aí viu Raul olhar pela janela de seu quarto fixamente. Mas acelerou o passo como se não tivesse percebido nada e seguiu. Nos fundos da casa, depois do espaço das hortas, começava o matagal que ia até a margem do rio. Lucinha foi pelo campo, mas estando a uma distância onde não pudesse ser vista, entrou mato adentro, apeou e ficou à espreita. Passaram-se uns quinze minutos quando avistou o tubiano a galope e em cima dele, Raul. Seu rosto estava estranho, meio contraído e afogueado. Viu-o passar e seguir campo afora e deu uma risada. Que bobo, ela o enganara. Vendo-o longe, montou e voltou pra casa. Foi tomar um banho, vestiu sua roupa mais bonita, penteou-se e pôs o avental para ajudar na cozinha. Antes disso subiu para dar uma olhada no sobrinho. Causou admiração nas outras mulheres que a elogiaram mas estranharam estar ela assim vestida para um dia qualquer. Ela disse que era dia de festa, o nascimento de seu afilhado. Todas riram. Uma hora depois, Lucinha estava arrumando a mesa quando ouviu o galope. Deu nova risada e continuou. Raul mal prendeu as rédeas em uma árvore e entrou cozinha adentro. Estava suado e descomposto. Parou na soleira da porta da sala de jantar e tossiu para anunciar presença. Ela sem olhar falou:

-Você andou cavalgando?

ELE ia dizer algo quando ela cortou:

-Era bom tomar um banho antes de entrar pela casa cheirando mal. Olhou então para o rapaz que estava a ponto de explodir e com a maior calma falou:

-Eu também saí a cavalo, mas resolvi parar logo adiante e fui pra beira do rio. Ouvi o tropel do malacara quando você passou. Onde foi com aquela pressa?

Ele saiu furioso sem dizer mais nada, foi rumo ao quarto de banho e depois voltou todo penteado e com roupas limpas. Martiniano em sua alegria não percebeu nada e só falava do filho e de seus planos. Dona Fermina ria e concordava, mas notou a sisudez de Raul e o jeito distante da filha. Isso estava mesmo esquisito. Então os dois homens foram fumar lá na sala, Fermina subiu para ajudar Joana e Lucinha se foi pra cozinha ajudar a empregada. Ouviu quando Raul passou em direção a seu quarto. Viu também que ele saiu logo depois e foi em direção à vila pelo portão da frente. Isso não lhe agradou. Teve ciúme. Então deitou-se mas não dormiu. Lá pelas duas da madrugada ouviu o tropel do cavalo e espiou. Raul chegava em casa e parecia bêbado, mal se equilibrando sobre o lombo do animal. De repente ele escorregou para o lado e foi direito ao chão. Ela nem pensou e saiu correndo, abriu a porta da frente e num instante estava junto dele. Chamou seu nome e nada. Ergueu sua cabeça, passou a mão pelo rosto e nada. Aí começou a examinar pra ver se não estava machucado. Ergueu uma perna e depois a outra. Parecia tudo no lugar. Mas ao tocar seu ombro direito ele gemeu. Ela correu pra dentro e pegou ataduras e arnica. Abriu a camisa, destapou o ombro e derramou o remédio. Então fez uma atadura mantendo o braço junto ao corpo. Ele parecia tonto ainda. Mas de repente, abriu os olhos e com a mão esquerda segurou-a pelo pescoço puxando pra junto de si. Ela tentou resistir, mas logo deixou-se levar e suas bocas entregaram-se em uma procura desesperada e doida. Ouviu-se então barulho na casa e eles se separaram rapidamente. Martiniano corria em sua dierção com a lanterna e com mais um peão ergueram-no e o levaram para o quarto.

(continua )

tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 04/11/2007
Reeditado em 14/04/2008
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