A faca.
Na madrugada solitária, coberta de silêncios cúmplices de seus desenganos ela rola na cama insone.
No silêncio cansado de pessoas desnorteadas, consegue ouvir a torneira pingando.
Pinga nos olhos abertos, assustados, pinga na testa, na boca entreaberta.
Quase um voo impenitente, a torneira mira a face assustada.
E escorre pelo pescoço alvo, delicado, e começa a molhar a cama, inundando espaços vazios.
Desperta, assustada com o sonho impreciso, perturbador.
Abre a primeira gaveta do bidê ao lado da cama.
A faca novinha e afiada continua lá, virgem de cumprir seu destino.
Rasgar carnes e expor feridas, a faca gosta – motivo de existir.
Ela revira a mente buscando um pensamento que sustente seu pilar essencial.
O rosto amado do filho aquece o coração gelado.
O sangue volta a circular e aquecer as mãos geladas.
Levanta decidida e joga a faca fora.
Não foi desta vez, não foi por ela, um dia será.