EM UM MUNDO PERFEITO
- Já é tarde, ele não vem, iniciemos os trabalhos – decretou Dr. Zenon em meio a suspiros resignados por toda extensão da grande sala onde se encontrava a mesa em mogno circular, antiga e tradicional, ocupada por 12 pessoas muito distintas em suas vestes e atitudes.
Não era surpresa a ausência de Samuel, pois ano após ano, apesar dos convites enviados, das confirmações garantidas, dos lembretes de véspera, ele insistia em não comparecer; não que fosse imprescindível, não que fosse o mais animado dos convivas ou o mais importante - pensavam eles - entretanto, era um voto a menos, uma opinião a menos, uma mácula nas decisões da Corte. E isso os angustiava, era um ponto fraco a ser resgatado futuramente.
Nesse momento, Conde D'ymander assumiu sua posição presidencial ordenando que a refeição fosse imediatamente servida para que, durante o desfrute das iguarias, todos pudessem opinar sobre o assunto e assim, concluíssem o tema antes mesmo da sobremesa.
Esse ano, como fora comunicado prudentemente, seria decidido o futuro de importante país situado na América do Sul. Havia duas opções: mantê-lo unificado ou dividi-lo em duas ou mais nações.
- Qual o problema específico dessa região? - quis saber madame Xandrina, mergulhada no dilema de sua eterna dieta.
Respondendo com autoridade, Dr. Wanmor pontuou a situação expondo que uma ideologia política corrupta e estranha ao trabalho, ao empreendedorismo, à educação séria, à liberdade e prosperidade individual, aos valores morais e familiares, à livre expressão e à religião sagrada, estava arrasando os pilares daquela sociedade e que esta, inocente ou parva demais, não conseguia atinar para o perigo que se lhes rondava.
- Bem, dada essa ocorrência, acredito que nem seja preciso discutir muito então, essa mancha não pode nunca ser relevada, que se desfaça a nação e a coloque sob a proteção de pessoas mais responsáveis, disse o senhor Voilandez, já antecipando seu voto.
Murmúrios e sussurros misturaram-se ao movimento dos talhares, enquanto bocas, meio cheias, meio vazias, argumentavam entre e para si.
- Mas diga-me, honrado presidente, na prática o que aconteceria?
- Senhor Ultilirio, a nação em debate, caso aprovada seja a questão, será dividida em três grandes áreas, cada uma delas ficando sob o poder dos três reinos superiores por dez anos, claro que, em havendo resistência e possivelmente haverá, o Reino de Guerra promoverá a pacificação necessária primeiramente, extirpando os elementos malignos - respondeu objetivamente o presidente da Corte.
Após mais um excelente par de horas, os conselheiros aprovaram a questão por unanimidade. À saída, duque Trapino fez questão de ressalvar a ausência de Samuel nos documentos pertinentes.
A reunião foi desfeita e o jantar encerrado, compromisso cumprido.
Dois quarteirões à frente, em um prédio de tijolos aparentes e não representando maiores detalhes, outro grupo se encontrava reunido e assistira, minuto a minuto, o jantar realizado e sua conseqüente decisão.
Entre eles se encontrava Samuel, à cabeceira do móvel retangular e de mármore, o qual concluiu, falando aos demais membros:
- Dessa vez, a Corte decidiu bem, não precisaremos intervir, senhores.