Respirador
Eu não consigo respirar, e muitos ao meu lado também não conseguem. Coração batendo fraquinho, um sopro de vida, um pouco de nada, somente esperança. Sinto pessoas passando por mim, sinto mãos me tocando, mas eu não consigo sentir nada, apenas um sentimento ruim. Silêncio, aflição. Lágrimas derramadas do lado de fora. Pessoas que desejam se abraçar, mas não podem. Pessoas que desejam sorrir de novo, mas estão impedidas de isso.
No relógio o tempo passa lentamente, mas o nosso tempo, o nosso tempo de vida está perto do fim. Dou meu último suspiro, o derradeiro de todos. Agora é a minha família que chora e também ora por mim.
Vejo mamãe inconsolável, de mãos espalmadas escondendo o rosto, e papai de barriga saliente e olhar sério tentando disfarçar a dor que ele sente agora. Coitados dos meus irmãos estão sem chão.
O mundo está sem rumo, eu sei. Não fui o primeiro e também não serei o último, infelizmente. No quarto ao lado eu ouço alguém tossir, é pouco, mas é uma possibilidade, pequena, de que alguém possa sair vivo de todo esse caos.
Luzes acesas. Gente rindo, festejando, enquanto mais uma família enlutada enterra seu ente querido. Como eu queria estar vivo para poder mostrar a essa gente o quão irresponsável eles são. Mas de que adianta tanto esforço se muitos não estão nem aí para nada, pois se se importassem com eles, se preocupariam com todos.
Daqui pra frente só poderei ver meus familiares daqui de cima e eles só me virão através de um retrato enfiado na carteira, ou em um porta retrato pendurado na parede da sala. As roupas vão continuar na gaveta, eu sei, mas a saudade vai doer pra sempre.