GRADIENTE

O botão emitiu um brilho avermelhado assim que o pressionou, e foi a única coisa que iluminou o corredor. Devia ter queimado as luzes, pensou, e aquele brilho vermelho, tênue, que emanava enquanto aguardava o elevador sugeriu uma sala de revelação fotográfica para ele, como se uma imagem qualquer necessitasse ser revelada em algum papel em sua frente, e aos poucos levitava do fundo de um mergulho em líquido ao mesmo tempo que o elevador mergulhava no poço para lhe transportar.

Ao entrar no quartíbulo mal iluminado que fez há tempos de morada, arremessa as chaves na mesa, próxima a fruteira munida apenas de laranjas, como uma natureza morta, enrugadas pelo tempo que ali estavam sem jamais clamar pelo gosto de ninguém.

Cambaleou de cansaço pelo pequeno corredor que levava ao quarto, iluminado por uma etérea luz amarelada que partia do sobrado vizinho, entrava pela janela calcinada de poluição e dispersava no ar, como um mar, embalando o corredor, tentando regar o ânimo do arrastado homem, da já sem verde planta sobre a cômoda mas conseguindo apenas dourar de leve o mortificado ambiente.

No quarto, apenas o lumiar da janela, um azul tão escuro, de quase breu, atravessava as anilinas cortinas e se arrastava pela cela, e de tudo o que ali tinha era se visto apenas vulto.

Se arrasta de novo para a janela, abre as cortinas desajeitado, derrubando os potes de violeta pelo parapeito. Os vê cair lentamente, se pergunta se os alcançaria, se os salvaria, para que apenas uma vida encontrasse aquele chão, da cor que ele próprio, dali a um dia, ardido pela chama, teria.

Cinza.

David Leite
Enviado por David Leite em 01/04/2021
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