O Vestido
Veio à vila para passar uns dias em casa de familiares. Havia festa no clube local e o baile seria abrilhantado por um conjunto musical de grande projecção, publicitavam. A excitação era geral. Todos iriam mas Mariana não tinha vestido adequado. Ainda experimentou dois ou três mais folgados que a prima, generosamente, lhe emprestaria mas todos ficavam acanhados e o que conseguiu vestir, mostrava-lhe as coxas grossas muito acima do tolerável para a época. Mas nem assim a moça se conformava e, portanto, entre a risota das provas e o desgosto de não ir, vinham-lhe à ideia todas as hipóteses de contornar o problema. Baixaria a saia e mostraria parte da barriga. Mas…, disse alguém, a barriga é para não mostrar e seria pior escândalo que ir com as coxas ao fresco. Estarão lá todas as “tesouras” da sociedade e seria mau para a reputação dela e da família desafiar as velhas do burgo. Se ao menos pudesse acrescentar uma barra ao vestido, uma renda larga, um pedaço do tule que não temos… eu conseguia. E se fosse o pano da sanefa do cortinado como folho, alvitrou a Tina morta para que a prima fosse também ao baile. – Boa ideia, descose-se este pedaço, faz-se à mão o franzido e zás, está comprido o vestido para o baile. E assim foi. Trabalharam no folho cor-de-rosa a tarde inteira e o resultado satisfez. Mariana estava exótica, com ar levemente espanhol mas muito feliz. Dançou a noite inteira e muitas músicas com o mesmo rapaz. Quando, madrugada alta, voltaram a casa, o folho estava em boa parte descosido e ainda que ela fosse discreta e o acrescento não destoasse, vista pelas costas a Mariana estava capaz de atiçar as más-línguas por um bom tempo. – Felizmente, ele não viu, ele gostou de mim, deu-me até este pedaço de papel com o contacto para quando achar oportuno lhe ligar. E, rodava alegre como se ainda valsasse.