Borboletou Com a Asa Dura 3

Querendo falar de Borboletar no passado!

Tudo virou pó, que o vento levou.

Lembranças impregnadas lembram que sou gente, que tive um passado, fazendo da ótica de hoje mexer naquilo que virou coisa inanimada. Reprise da novela da vida na tela da mente.

Os anos passaram, centenas de vezes subindo e descendo do cercadinho, executando hinos nos teclados do órgão clássico nas cerimônias nos templos.

Aqueles cânticos que deveriam chegar à Fone divina como louvor ao dedilhar as notas no teclado, de um puro e sincero coração, saíam mexidos, aflitos .

Mas o metamorfosear da vida fez a borboletinha, recém saída do casulo, ousar voar mais alto, subir até um pouco mais que a nuvem cinzenta do quadrado onde se encontrava.

Apalpou saberes, ouviu dizeres, sentiu a intimidade das primeiras quedas e traições, levando os primeiros tapinhas do mundo, deixando de comer a papinha diária da insignificância, tendo que lutar pela autopreservação, sobrevivência, levando para o segundo plano a guerra interna com o dom da música.

Abriu um furinho para possibilidades. Começou pelas vestes, desbravou no caminho da auto imagem, adotando o uso de calças compridas para ir ao trabalho, maquiagem, cabelos tingidos, levemente aparados nas pontas.

Nestas condições, a aflição sentida ao tocar, mesmo sendo menor, via-se em descompasso com as regras para exercer o cargo de organista, que exigia ter posturas das vestes tradicionais, saias até os joelhos, blusas com mangas, sem maquiagens, cabelos compridos, sem cortes.

Até que não deu mais, com a correria do mundo, e as responsabilidades com a sobrevivência, um pouco mais do trigésimo ano de vida, concluiu, estou inadequada para a função, além do quê, dei o que tinha que dar, não posso ficar com meio corpo na banqueta, tem uma fila de irmãs queridas que querem o cargo para entoar os cânticos no órgão, anseiam por isto, disponibilizarei a vaga para elas.

Há tempo para todas as coisas, fiz o que pude, exerci o dom , ficarei no vocal, cantando com os demais os hinos nas cerimônias.

Encerrou-se uma fase, solicitando a suspensão da função para a examinadora imediata, de forma tranquila, sem medo de se arrepender. Finalizando uma fase.

Aqueles anos todos, cada nota tocada, raras vezes sentia-se Una com a música executada. Raras vezes. A ligação com a fonte Divina não havia se consumado para exercer o cargo.

Nestes instantes, escrevendo estas palavras e ouvindo uma melodia, transponho-me para outro estado. Não tem como explicar, a passagem pela ponte é privativa, não cabe palavras.

Se fosse naquele ontem de menina, mocinha, usufruiria melhor. Mas é somente pela experiência e o tempo que se adquire sabedoria.

Neste hoje, cantando os mesmos hinos, ouvindo-os pelo celular ou notebook, saboreio cada sentido e alcance das palavras, o que não ocorria com tamanha intensidade.

Mesmo que as asas estejam fracas para o voo, por terem sido danificada nos altos voos em meio às tempestades.

Se não fosse as estações, não poderia ter continuado dando frutos, mesmo que de outros sabores.

Quisera, a semeadura Divina cair por entre pedregais no meu coração!

Quisera, a seca de possibilidades, denunciar para a mente que não teria jeito para a ruína que me encontrava.

Ah! Mas quando o amor caloroso Divino apareceu na aurora no meu coração, oferecendo-se, me entreguei desde a primeira oportunidade.

Não foi em meio a multidão, nem no templo religioso, muito menos lendo um Livro de sabedoria.

Foi no fogo da provação, na angústia solitária vivida, onde não havia mais esperanças, onde havia perdido a minha própria vida. Cantando um cântico, nunca cantado com tanto vigor.

Tive a graça de conseguir captar o perfume da minha própria Alma. Vivi no Duplo. Mesmo que por alguns instantes.

Foi o suficiente para não esquecer mais, decidi pelo retorno. Assumindo as consequências.

Nestes dias onde a clausura, a escuridão dos acontecimentos, invade o coração do homem, valho-me da luz tênue que se mantém no coração aquecendo o estar, calibrando o ser para não ir ao desespero.

Queria servir este sentir ao próximo em um cálice para ser bebido, caso assumisse as consequências da viagem.

O mestre disse que aquele que tiver a fé do tamanho de um grão de mostarda, removerá montanhas. Que assim seja.

A luz, como de uma lamparina, chega a tremular, mas mantém-se acesa no meu coração.

É o que me basta.

É o que tem consolado o coração por ter passado tanto, visto tanto.

É o que dá impulso para Borboletar junto com as Borboletas.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 28/03/2021
Reeditado em 28/03/2021
Código do texto: T7218346
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