Um conto bovino

Era manhã, um dia escuro e tenebroso. O sol se escondia de medo entre as nuvens e os pássaros não cantavam. O orvalho já não exalava seu cheiro e as flores não se abriram. O gelo encobria a região e velhas árvores não se agüentavam contra o vento. A chuva rala e fria escorria pela montanha descendo para o rio. Ali estava com a espada em mãos um corpo na minha frente e o sangue em minha túnica. Sangue esse que descia junto com a água da chuva para gélidas águas correntes.

Era noite, no bar a beber caçoando daqueles que cambaleavam e brindando aqueles que ainda bebiam. As mulheres, já espantadas, se escondiam entre as pilastras, tamanha bebedeira nunca as encorajava. Velhos já moribundos e fedendo a mijo cantavam velhas cantigas. O dono da taverna já a queria fechar. O álcool estava escasso na região, o inverno foi rigoroso para as plantações. A uva não prosperava. Ali estava com a caneca na mão, um corpo esbelto e lindo na minha frente e o vinho seco em minha boca. Vinho esse que descia junto à saliva para meus sucos ácidos e férvidos.

Era meia-noite, na montanha a neve caía. Até as árvores com suas grossas cascas tremiam de frio. O vento também não perdoava em um assobio sombrio. Estava a começar um novo dia e o corpo naquele casaco se despia. Não entendi como ela não sentia frio, seu sorriso belo, límpido e convidativo me fez rapidamente esquecer o frio. Avancei aos beijos retribuídos com louvor. Desembainhei minha espada sem querer, algo me controlava. Eram as mãos da dama nua, posicionando a lamina contra minha barriga e perfurando minhas entranhas. Ali estava com a espada em mãos um corpo na minha frente e o sangue em minha túnica. Sangue esse que descia junto com a água da chuva para gélidas águas correntes. Era manhã.