A Guerra
Fugiam. Primeiro entre a carga de um vendedor de peixe seco, depois por caminhos desertos, a seguir pela beira do rio quase seco. Todas as inutilidades que traziam foram trocadas por comida. Alguma roupa rendeu a que carregavam sob o sol inclemente, sob a poeira da estrada. Ambos tinham a boca seca e defendiam-se no silêncio. Vez por outra a mão dele apertava ligeiramente e ela sabia que aquilo era mais uma confissão de amor. Quando viram a nascente do rio, banharam-se. A roupa encharcada aliviava o calor e permitia que pusessem mais distância entre si e o lugar pequeno de onde saíram. Lá, todos pediam a sua cabeça e os que os deixariam vivos queriam-nos presos, ostracizados. Mudos, os pais dela choraram e viram-nos sumir a pé, quando já todos dormiam. – Um dia voltaremos, garantiram. Depois da marcha daquele dia, já com o sol fraco a bater-lhes nos olhos e a fazer arder a cor do caminho, avistaram a casa que a guerra e o isolamento deixaram deserta. Na pressa, os que ali moravam deixaram tudo e uma janela aberta batia com o vento despedaçando as portadas. Algum capim medrava até à porta e tudo no interior denotava o abandono de tantos dias. Vamos pernoitar aqui. Por certo há um poço nalgum lado, por certo há com que fazer fogo. Logo que haja luz e fogo este refúgio voltará a ser casa. E os gravetos fizeram saltar chamas e a caneca com água ferveu para o café que havia. Depois ela deitou-se enquanto ele improvisou o jantar e o serviu em pratos de esmalte, na mesa da cozinha. Quando os guerrilheiros os cercaram, um disse no dialecto que a casa estava assombrada, que era arriscado entrar e, um a um, desapareceram na noite. Extenuado, o casal adormeceu.