A filha do dono da livraria

Havia de ser apenas mais um dia normal na escola, se não fosse a tal da menina alta dos cabelos escuros, da pele pálida e pernas finas que me pertubara ao longo da semana. Todos os dias ela vinha até mim, sempre implorando pra que eu a emprestasse meu livro "As Reincarnações de Narizinho" de Monteiro Lobato. Sempre foi muito satisfatório, ver seus olhos brilhando quando a dizia que se passase em frente a minha casa depois da escola, poderia emprestar-lhe o bendito livro, e ainda mais engraçado era assistir seu rosto decepcionado exalando apenas um pingo de esperança quando saia da minha casa, após eu ter inventando qualquer desculpa para não entregar-lhe o livro. Meu querido livro, o qual eu nem chegara a ler de fato, mas que guardava com carinho imenso, pois havia de ser um dos últimos presentes que ganhei de minha querida avó, umas das mais brilhantes estrelas que constituem o céu.

Sempre soube que era errado alimentar as expectativas da pobre menina amada por todos, mas não existia melhor entretenimento do que exercitar meus dotes artísticos, como bela atriz e ótima mentirosa. Estar sempre um passo a frente, fazia-me sentir especial, realmente me achava a garota que sempre estava no controle, mas na realidade, era apenas uma garota má brincando com os sentimentos de uma outra garota cheia de luz e bondade. Minha consiência estava pesada, já estava cansada de carregar esse fardo. Óbvio que me rebaixar ao nível da garota e lhe dar o livro estava fora de cogitação, pois sou a filha do dono da livraria, tenho dez anos e uma reputação a zelar.

Mas chegou o dia da situação mais catastrófica que acontecera na minha vida, estava como de costume, esperando na sala para cotidiana visita da mais incansável, persistente e irritante garota que queria ler "As Reincarnações de Narizinho". Mas acabei me distraindo e ouvi a porta da sala abrindo, não acreditei quando vi minha mãe recebendo a menina e perguntando do livro. Minha mãe ficara confusa e furiosa, pois já tinha ideia do que se passara, a menina contou toda a verdade. E assim foi, minha mãe tomou suas decisões, eu ficaria de castigo e me humilharia pedindo desculpas para a menina que esperava na porta, como se não bastase, ela ainda levaria meu livro para ler durante o tempo que quisesse. Realmente nunca ficara tão abatida, realmente a vida não é nada justa.

Maria Fogaça
Enviado por Maria Fogaça em 20/03/2021
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