FRAGMENTO DE ALGUMA COISA

– É como uma mania, fico repetindo a mesma música. Busca doida dos ausentes, realmente, seria incrível você e eu. Pensando tanto nesse teu corpo e a terminações nervosas que nunca mais vou sentir, sentir aquele tom vibrante, o suor, o gosto salgado de sua pele, quando saia do mar, naqueles dias infidos de nós, ressacados de ondas, olhos de ondas, teus olhos. Penso e tenho um certo carinho de ser despertada com uma lembrança qualquer, uma foto, uma frase solta que algum personagem banal, desses filmes de fim de noite, diz sobre a dificuldade ou a despreparação na qual nos encontramos ao sermos abandonados. Só que me pego pensando: resquícios de uma certa vaidade – uma certa, mesmo, uma certeira – vaidade de afirmar outras banalidades como a frase do filme, sobre ninguém se encontrar preparado para ser deixado. Eu poderia dizer assim: que, dessa forma, você deveria me deixar recados ou aviso prévio: algo como: Vou te abandonar no dia 6 de Fevereiro de certo ano e tal... E porque não é preciso desculpa ou resposta ou ultimatos, isso ficou tão atrás, atrás de antes de nós, entende? Basta qualquer coisa ou motivo bobo: um cigarro no fim da tarde, um dia ruim, a coisa funciona de modo como uma epifania, penso, é, não deu e não existe palavras ou outras palavras ou um punhado delas capazes de explicar o fim de uma coisa. Você mesma sabe, tantos pedaços de memórias que só poderia fazer sentido se juntas. É como lembrar pela metade, um dia esquecido... umas projeções; ando achando que metade das minhas lembranças são apenas espaços preenchidos com o que poderia ter sido. Você sabe. Como ia falando, uma música, eu ouvia uma música e ela falava sobre algo, alguma coisa, remota, no tempo, talvez nós...

Jailson Anderson
Enviado por Jailson Anderson em 19/03/2021
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