Regressão - Esta Guerra Não É Minha

O país em que vivo está em guerra. Eu nunca entendi as guerras. Como pode os homens fazerem guerra? Os poderosos mandam seus soldados para se matarem por mais poder. Esta é uma guerra estúpida entre dois reinos que disputam terras e riquezas. Os reis estão em seus castelos protegidos e seus súditos se matando por eles. Eu não me alistei para a guerra. Posso ser punido por isto, mas vou resistir a ir para a guerra e matar meus semelhantes. Tenho mulher e dois filhos e eles dependem de mim. Sou o provedor da família. Com esta guerra está cada vez mais difícil encontrar trabalho mas eu me viro. Sou camponês, trabalhador do campo. Não tenho terras. Grandes latifúndios estão improdutivos e quem quer trabalhar não tem terra para produzir. Mais uma injustiça deste tempo. Mas eu sempre encontro um trabalho aqui ou ali e consigo sustentar minha família.

Neste dia estou montado em meu cavalo e andando por uma estrada larga e poeirenta. Estou indo atrás de trabalho para o sustento da família. Andando, distraído e pensando na vida, não percebo que uma emboscada foi armada logo a frente para pegar os soldados inimigos. De repente começam a atirar com suas armas toscas e desnecessárias. Eu fico no meio do fogo cruzado e uma bala acerta minha testa. Eu caio do cavalo, o cavalo foge em disparada. Eu me arrasto para fora da estrada e do corre corre de cavalos e homens.

Fico ali agonizando. Por minha cabeça passa toda a minha vida. Uma vida simples de súdito pobre. Mas eu fui feliz. Tive uma infância alegre, uma juventude de muitas aventuras e farras. Lutei muito por justiça. Até que conheci a mulher que encantou minha alma e com quem me casei. Tornei-me um homem sério, mas feliz. Meus dois filhos, frutos desta união, são muito amados e a razão de minha luta diária pelo pão. Vivi esta feliz união a cada dia nos últimos dez anos. Muitas dificuldades, mas muita esperança também. Esperança de dias melhores, esperança de justiça, esperança de uma vida menos sofrida. Sonhamos, lutamos, trabalhamos juntos para nos manter. Ela é uma esposa leal e digna. Amorosa e compreensiva. Cuida da nossa casa e de nossos filhos com zelo e capricho. Vivemos com amor, respeito e felicidade.

Agora eu estou aqui, ferido de morte e penso o que vai ser de minha família, como poderão se sustentar sem minha presença e meu trabalho. Meus filhos tão pequenos ainda, como poderão crescer e sobreviver sem o sustento que sempre levei para casa. E minha esposa? Será que vai saber que morri aqui nesta estrada? Sem alento, sem socorro? Ela espera a minha volta para casa e eu não vou voltar. Fico revoltado. Esta guerra não é minha. Por que logo eu que sempre odiei as guerras fui atingido sem nenhum motivo. Só queria ir a procura de um trabalho. E agora estou morrendo aqui. Como um anônimo, como um desconhecido. Quem poderá levar meu corpo e entregá-lo sem vida à minha família?

Estou perdendo as forças e a consciência. Mas minha revolta contra esta guerra estúpida só cresce. Será que algum dia os homens vão compreender o quão inúteis e desnecessárias são as guerras? Minha cabeça dói muito. Não consigo enxergar muito bem. Tento pedir socorro mas me falta força para gritar. Queria gritar para o mundo que isto é injusto, que não pertenço a esta guerra e que não merecia morrer desta maneira. Não tenho mais forças. Meu último pensamento vai para minha casa, minha esposa, meus filhos…

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 14/03/2021
Reeditado em 15/03/2021
Código do texto: T7207062
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