A mulher da Videira
Ainda se ouve o silêncio que inspirava a pobre mulher na lida da uva. Suas mãos roxas como a mais madura penca, deslizavam todos os calos nas folhas verdes de formato regular, pontiagudas, lateralmente em ambos os lados, soltando os ramos alvéolos de vinhos futuros, que ela nunca experimentou. Nasceu numa tarde sem sol onde o vento cantava previsão de vida árdua. Não houve riso nem choro. Nada mudou na vila, na terra ou no sol. Cresceu verde, entre uvas e doces de uvas para salvar a colheita azeda do inverno causticante. Não sabia nome ou sobrenome desde o dia que fora esquecida dentro de um barril de vinho já bebido em meio ao fogo avassalador de um raio qualquer. Resgatada por quem não falava, apenas plantava uvas, amadurou rosada entre folhas verdes de todos os tamanhos e cheiros. Conheceu perfeitamente os venenos do vinho nas palavras bêbadas do pároco que por vezes ali pernoitava sobre ela, dentro dela. Pariu uvas mortas sobre a terra fértil sem saber de que forma as uvas se transformavam em pessoas e nunca mais comeu da penca. Macerava a colheita com tanta raiva que o vermelho-roxo das uvas misturavam-se com o vermelho-vivo de seu sangue. Sabia bocas a beber do vinho e a beber de suas entranhas e urinava as palavras que não sabia dizer. Já quase fora de estação, envelhecida e roxa por todos os cantos da pele que um dia fora branca, ainda pisa uvas, mas não sangra. Seus pés são uvas passadas, calejadas como suas mãos e seu rosto. Os olhos uvas verdes boiando num mar sanguinolento já não enxergam parreiras. Cega de todas as uvas ela lida ao som da canção de sua vida, vinda do vento embriagado espalhando-se pelas videiras.