Sono Profundo
Ela estava em pé diante da cama e olhava-o detidamente. O monitor multiparamétrico indicava que não havia nada de diferente acontecendo naquele momento. Tudo estava exatamente como nas centenas de outras vezes em que olhara-o. Com os olhos cerrados, ele parecia dormir um sono profundo. Sim, um sono que já tinha a duração de dois longos anos desde aquele dia fatídico. Todavia não queria recordar o acontecimento, por essa razão entregou-se a lembranças do passado. Recordou sua franzinez na ocasião da pré-adolescência. Era uma magreza só. Aos quinze anos, no entanto, principiou uma mudança significativa em sua aparência. Aos dezessete, era objeto de admiração e cobiça por onde quer que andasse e sua auto estima, antes quase inexistente, agora estava aos píncaros. Sim, o jogo havia mudado. Não era mais o patinho feio, antes, esbanjava beleza enquanto tratava de buscar ainda maior perfeição. A busca por exibir uma estética cada vez mais dentro do convencionalmente chamado perfeita, agora era como um vício do qual não conseguia livrar-se. Elogios na rua, no trabalho, na academia... Dezenas, centenas, milhares de curtidas… nada bastava. Precisava de mais. Passou então a fazer uso de esteroides anabolizantes. Queria mais massa muscular. Em seguida, queria mais definição muscular. Precisava disso. Alguém na internet tinha apenas seis por cento de gordura no corpo. O restante era basicamente músculos. Usou e abusou de fármacos perigosos, mas estava valendo a pena. As curtidas só aumentavam; os elogios eram tantos que não os podia contar. Pensou na possibilidade de competir. Precisava de mais reconhecimento. Algo para além dos domínios das redes sociais apenas. Foi quando aconteceu. Alguém apareceu com algo "muito bom"... "apenas usado pelos profissionais". Não era barato, mas valeria a pena. Contou a um amigo, mas não obteve apoio. Ele foi veementemente contra. Obviamente era apenas inveja. Caso fosse amigo de fato, teria apoiado. Fez a aquisição da substância e injetou. Sentiu-se mal como nunca sentira antes, mas passou. A pessoa que vendeu confirmou que era normal sentir-se mal a princípio, mas que acostumaria com o tempo. Aplicou novamente. Uma hora depois, estava em coma no hospital. Isso já faz dois anos. Sua mãe envelheceu dez anos durante esse tempo e ainda chora como se tivesse acontecido ontem. Hoje, nada restou daquela aparência exuberante. Também já não há mais curtidas, nem elogios. Ela estava em pé ao lado da cama e olhava para ele, seu corpo, franzino como quando era ainda uma pré-adolescente. O monitor multiparamétrico indicava que não havia nada de diferente acontecendo naquele momento...