A Confissão
Amanda tinha acabado de render sua colega de trabalho. Como de costume, a primeira coisa que fez foi jogar fora o café velho e lavar a cafeteira elétrica. Durante o dia praticamente não bebe café, mas, quando trabalha à noite, gosta dele fresquinho e bem forte. Quando despejou a primeira colher de Le Baron, o café importado que Jane, sua colega da academia, trouxera-lhe de algum lugar da Europa, ouviu o estridente toque do telefone.
— Capela Nova Esperança, boa noite! – disse ela ao atender.
— Amanda?
— Sim! Quem está falando?
— Bem, não sei se lembrará de mim, Amanda. Estudamos juntos há muito tempo.
— Bom… ajudaria se dissesse seu nome e no que posso ajudar. – disse ela, com a paciência e polidez típicas de quem estava apenas começando o expediente.
— Sou Jonas… aquele que usava sempre…
— A camisa laranja com estampa do Goku e uns canjis em preto? – ela interrompeu – Como eu poderia esquecer?
Ele pareceu surpreso com a resposta e não soube exatamente como interpretá-la.
— Como conseguiu este número, Jonas? E, qual o motivo desta ligação tão… inusitada?
Houve um breve intervalo antes que ele finalmente voltasse a falar.
— Um dia desses, passei por aí de carro e a vi entrando uniformizada. O restante foi fácil descobrir. Sei inclusive que acabou de entrar de serviço e ficará até seis da manhã.
Amanda não sabia se estava gostando daquela história. O que, afinal de contas, ele queria? Por que diabos a estava stalkeando?
— Amanda, não vou fazer rodeios… estou ligando pra dizer que sempre fui apaixonado por você, desde aquele tempo! Do primeiro dia em que a vi até hoje… você nunca saiu da minha cabeça!
Amanda sentiu seu coração derreter dentro do peito ao ouvir isso. Buscava algo para dizer, mas as palavras fugiam dela qual gazela de seu predador. No passado, fora perdidamente apaixonada por ele e tinha certeza de que ainda havia muito daquilo guardado em algum lugar secreto dentro de seu coração. Nunca se declarou ou sequer demonstrou nada, porque achava-o bonito demais para ela. Ele, por sua vez, esperava que ela desse um sinal de que havia alguma esperança. Mas, como isso nunca aconteceu, decidiu guardar o que sentia para si.
— Amanda?! Está aí?
— Sim, Jonas. Mas... minha pergunta é: por quê? Por que hoje? Por que agora?
— Eu queria que soubesse disso antes que me visse novamente.
— E por que acha que o verei novamente?
— Bem… o homem que está sendo velado na capela 1A é o marido de minha mãe e…
— Um minuto, Jonas! – Amanda o deixou na linha para atender uma garota que buscava informação sobre onde estava sendo velado o corpo de seu avô.
Tão logo pôde, voltou ao telefone. Não obstante, ele já não estava na linha. Amanda sentiu um misto de tristeza, alegria e ansiedade. A tristeza era por pensar no quanto tempo eles haviam perdido amando-se de maneira platônica. Quantos anos tinha quando o conheceu? Quinze? Dezesseis? Por que só agora aos trinta e cinco? Mas por outro lado, estava certa de que esse foi o melhor telefonema que já recebera na vida. Saber que ele correspondia aos seus sentimentos era algo tão maravilhoso que quase não cabia em seu coração. Mas estava ansiosa, porque sabia que o veria novamente a qualquer momento. Não era o melhor cenário, mas certamente seria melhor que qualquer encontro no qual já foi. Entrou no banheiro e revisou o penteado, o batom e tudo o mais. O telefone voltou a tocar.
— Capela Nova Esperança, boa noite!
— Amanda… responderia uma pergunta com a sinceridade de uma criança? – disse Jonas.
— Sim! – ela sentiu borboletas na barriga ao ouvir de novo sua voz.
— Já sentiu algo por mim?
— Sim…
— Poderia dizer o que sentia?
Ela suspirou e disse:
— Eu era apaixonada por você! Na verdade... eu te amava, Jonas! – ela só percebeu o que disse após terminar de dizer.
Ele emudeceu por um instante. Realmente foi pego de surpresa com essa declaração. Era tudo o que sempre sonhou ouvir, porém jamais imaginou que a ouviria dizer algo assim. Um sem número de sentimentos e arrependimentos inundou-lhe a alma. Reuniu forças e disse:
— Você usou o verbo no pretérito. Não restou nada desse amor?
Agora foi a vez de Amanda emudecer. Não sabia o que dizer. Era óbvio que aquilo nunca se extinguira de fato, mas não tinha coragem de dizer isso pra ele sabendo que provavelmente se encontrariam ainda naquela noite.
— Não sei o que dizer… – ela respondeu – Mas é possível que sim, que ainda haja algo em algum lugar dentro de mim, apesar do tempo decorrido.
— Está pronta para dizer isso olhando pra mim? – ele deu um sorrisinho – Ei, não me negue isso… estou gastando o restinho de minha bateria nesta ligação. – ele riu de novo.
— Bobo! Eu empresto meu carregador. – ela simulou descontração.
— É muito gentil de sua parte! Mas o problema não é o carregador e sim a bateria.
— Posso fazer uma pergunta? – ela mudou de assunto.
— Claro!
— Qual foi a causa da morte? Do seu padrasto?
— Ah, provavelmente viu no noticiário ontem pela manhã! Os bandidos assaltaram o banco, mas acabaram batendo com o carro na fuga. Deixaram o veículo e foram roubar outro, porém, o ocupante, um policial aposentado, reagiu ao assalto e acabou baleado…
Amanda arregalou os olhos e largou o telefone. Abriu a porta e disparou na direção da capela 1A, entrando sem pedir permissão. No momento em que deparou-se com o corpo dentro do caixão, em sua mente lembrava da reportagem do dia anterior que falava acerca do policial aposentado que reagira a um assalto e por causa disso fora morto junto com seu enteado que estava sentado no carona. Ao lado do caixão de Jonas, estava o do marido de sua mãe. A alguns metros dali, o telefone público balançava fora do gancho...