Caminhávamos frequentemente. A hora preferida era de manhã, pois o sol ainda estava ameno e, não castigava muito. Íamos até a beira do lago, por vezes, pescávamos. Lembro-me, ainda, das varas de pescar sempre limpas, pois a avó detestava o cheiro de peixe. Quando criança, acreditava piamente que quem tivesse odor ruim, era parente de peixe... e quem cheirava bem, era parente das flores. Infelizmente, existem muito mais peixes do que flores... pois o planeta é quase todo água.  Naquele dia,  trilhamos caminho diferente, e ao longe, víamos uma ponte velha e azul. Como estava mal-tratada a ponte...havia algumas tábuas soltas e outras carcomidas pelo tempo. Era perigoso um veículo passar por ela. O amigo sugeriu que passássemos pela ponte para ver o que havia do outro lado. E, ladina argumentei que era visível que não havia nada de diferente, somente o perigo da travessia. Respondi-lhe que não iria e, desta vez, nem pescar... Queria ficar contemplando ao longe a paisagem e, esvaziar a mente de tudo... pensamentos, sentimentos e, até palavras. O barulhinho da água do lago parecia substituir muito bem a fonética das palavras e, toda sua carga semântica, por vezes, tão dolorida. Recordei meu avô, então já falecido, e suas instruções de cuidado com relação às cobras. Não tinha medo de barata nem de ratos, mas cobras... nossa, parecia-me, medonho. Depois, na fase adulta, percebi que medonho mesmo é a indiferença e descobri que as cobras caçavam ratos (que era uma praga e ainda transmitia a peste bubônica). Quando cheguei em casa contei a avó que tinha ido até perto da ponte azul e, ela sorriu dizendo que eu havia ido muito longe. E, temia que um dia a ponte ruísse... Sorri de volta e retruquei, ela vai voltar para o céu, de onde ela veio.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 09/02/2021
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