Asas pra quê? - Uma Lição de Liberdade

Na noite passada, depois de um dia de muitos fardos, igualzinho a todos os outros, tive um sonho estranhamente lindo (que sonhos que não tem nem um pouco de estranheza, não é mesmo?).

Abri os olhos; me deparei com um céu de azul tão claro que quase coincidia com a luz do sol. Mal eu despertara e uma revoada de pássaros passava por entre as nuvens. Em seguida, notei que eu estava deitada em uma cama de flores! Não havia nada melhor do que me refazer naquele colchão colorido e perfumado, ainda que aquela luz mais me deixava alerta do que sonolenta.

Eram tantas margaridas, copos-de-leite e girassóis dando bom dia ao sol e (por que não?) a mim... Levaria centenas de primaveras para que tudo aquilo florescesse. Não me sentia merecedora de tanta graça! No entanto, não hesitei em ser tocada por aqueles raios solares que nascem e brilham para todos.

Ao me dar conta de que eu estava, de fato, em um paraíso onírico, resolvi caminhar em meio às flores e aproveitar ao máximo a experiência de repor o meu ânimo e minhas energias da forma mais natural e deliciosa possível. Ao soprar uns dentes-de-leão, começaram a ressoar pouco a pouco pelo ar notas de uma música instrumental que minha mãe deixava tocar no meu quarto, quando eu tinha apenas cinco anos, para que eu conseguisse acalmar meus nervos e dormir. Eu só queria brincar o dia inteiro com amiguinhos meus da minha escola, do meu bairro... É, sem dúvidas, uma das melhores razões para se inquietar. Já no fim da infância, esperança, não mais, alegria então, nem se fala. Cada um segue seu rumo.

 

Após caminhar alguns metros, o que, por incrível que pareça, não me deixava exausta naquele mundo dos sonhos, levei um susto ao me deparar com uma grande luz branca que, gradualmente, se convertia em algo que parecia ser uma versão muito melhor dos meros mortais que somos: um suposto anjo dormindo de bruços! Era tanta doçura em seu sorriso e em seus olhinhos fechados para o mundo e abertos ao universo, que não tinha coragem de lhe tirar o sono angelical!

Fui então até uma cerejeira que se encontrava ali perto, tomar um banho de suas pétalas que caíam lindamente até o gramado, e cantarolar de olhos fechados minha música de infância para espantar o mal-estar que tanto vinha me atormentando.

Bastaram alguns minutos para eu ter vontade de abrir meus olhos, me levantar e ver como estava aquele ser em repouso. Advinha o que aconteceu? Os olhos dele se abriram! Eu imediatamente entrei em êxtase!

Ah, como era possível carregar toda a paz e ternura do mundo naqueles olhos verdes, enquanto o caos toma conta das mentes humanas?!

Por que será que eu sentia que aquele ser me conhecia profundamente, mesmo eu o vendo só naquele momento? Amor de outras vidas?

Aquele olhar e sorriso graciosos me fizeram lembrar do versículo do Evangelho o qual leio e não pratico, eu admito: "Deixai vir a mim as crianças".

Ele me cumprimentou, porém, sem necessidade. Afinal, eu sabia que aquele olhar já me dizia um bom dia.

Perguntei: — O que houve com você? Você é o que estou pensando? — prossegui minha indagação olhando para o céu azulado — Você caiu do céu?

O ser reagiu dando uma risadinha gostosa.

— Se é um anjo, o que houve com suas asas que te fez ficar na Terra?

— Não há nada de errado. — disse ele, sério, mas em um tom afável — Asas pra que se, sem elas, você pode voar até qualquer lugar? — então o ser divino se levantou e continuou sua explicação, pacientemente — Acordei porque eu percebia os seus medos e anseios por trás daquela voz suave, suplicante e meio trêmula, mas, acima de tudo, sem perder a fé na vida, ainda que minúscula.

— Mas que fé, se pergunto a Deus o porquê da minha vida estar de cabeça para baixo? — questionei chorando de raiva — Discussões no trabalho, família mal-agradecida, meu "amante" infiel... Parece que meus esforços para eu ser alguém agradável estão indo em vão! Conclusão? Nasci pra nunca ter sorte.

— Acalme seu coração, querida. — disse o anjo, com misericórdia, repousando sua mão suavemente sobre o meu ombro direito — Em resposta à essa súplica, vim lhe esclarecer que as coisas são como tem que ser, tudo está em seu devido lugar. Nunca estamos sozinhos neste Universo. Não são as circunstâncias, nem as outras pessoas que mudam, senão pela própria vontade delas; tudo isso ocorre para impulsionar o seu desejo de auto aprimoramento.

À medida que o mensageiro divino falava, fui me acalmando, mas ainda com algumas interrogações pairando em minha cabeça.

— Você ainda não entendeu tudo, não é? Para que entenda melhor, pense que todos os seres humanos nasceram com "asas invisíveis", cujas "penas" vocês adquirem ao longo da vida até o momento em que souberem usufruir de sua liberdade, voando para onde quiserem. O grande problema da humanidade é não saberem usá-las devidamente. Não sabem sua finalidade, para onde devem ir, usam com más intenções ou deixam que suas asas se atrofiem com os círculos viciosos que as próprias pessoas criam.

— Deixa eu ver se entendi. Mesmo sem asas como os anjos e os pássaros, nós somos livres para escolher o rumo das nossas vidas.

— Exatamente! Que bom que você captou a essência dessa mensagem! — comemorou meu novo amigo divino — Agora que você compreendeu meu recado, acho importante te lembrar que você pode contar conosco sempre. Procuramos assumir as mais variadas formas para que vocês, queridos seres na Terra, aliviem as suas inquietações, consigam viver em plena sintonia com a melhor versão de si mesmos e entendam o verdadeiro significado de felicidade.

— Muito obrigada por tanto esclarecimento e principalmente por me ajudar a acender uma luz em minha alma — disse eu, radiante — Eu acreditava que isso demandasse muito esforço.

— Imagina! É para isso que trabalhamos, nós ajudamos a brilhar a luz da qual muitos de vocês esquecem. Que o Amor Maior te guarde e te guie! Conte conosco sempre. Estamos a um pensamento de distância apenas. Até breve.

E as belas asas começaram a surgir nas costas do mensageiro celestial, que assumiu a sua forma original — aquela ofuscante luz branca — e voou como um cometa em direção ao sol.

Fui "teletransportada" ao "mundo real" de forma meio brusca. Que pena que aquela viagem chegara ao seu fim! Eu derramava muitas lágrimas sinceras. Permiti que as feridas no meu peito fossem curadas pelo bálsamo daquela voz suave e acolhedora! Ao invés de um calor de dor, sentia um calor de amor, de gratidão! Daquele momento em diante, passei a me lembrar que tudo de "ruim" que acontecesse em minha vida não deveria ter poderes sobre mim!

Espero sinceramente que cada um que for ler estas linhas e entrelinhas encontre seus anjos e viva plenamente de coração aberto! Leve! Sem guardar mágoas e rancores, e sim boas lembranças e sentimentos no coração.

** Narrativa fictícia, não verídica