A NOITE EM QUE A LUA ENGOLIU O MUNDO
Era uma noite de luar enorme – enorme o luar, não a noite. Acho que era lua azul. Deitada no gramado, eu utilizava algumas estrelas para jogar caxangá no veludo azul-marinho do céu. De repente, eu percebi, com o canto do olho, que a grande abóbada se moveu um pouquinho. Achei que talvez tivesse sido uma ilusão de ótica, e continuei a brincar com as estrelas, distraída.
Mas o fenômeno se repetiu, daquela vez, mais nitidamente. E então eu vi a lua abrir sua grande boca e respirar fundo. Algumas árvores que estavam por perto começaram a se agitar, como se tivessem sido balançadas por uma ventania forte, mas não havia vento. Notei que os grilos e corujas tinham parado de cantar. Vi quando o telhado de uma casa se desprendeu com um som de coisa quebrando, seguido por outro e outro. Logo, havia dezenas de telhados sendo sugados diretamente para dentro da boca do luar.
Apavorada, sentei-me e olhei em volta. Vi que pessoas passavam voando por mim, subindo aos céus, agitando braços e pernas no ar numa tentativa inútil de se agarrarem a alguma coisa. Seus olhos esbugalhados me olhavam, suas bocas abertas gritavam por ajuda, mas eu nada podia fazer.
Naquela noite, a lua estava engolindo o mundo. E ela tinha fome. A rua foi ficando deserta, e me perguntei se o mesmo estaria acontecendo no resto do mundo, mas eu jamais poderia saber, já que as antenas de TV e as conexões de internet também se desprendiam e entravam na boca da lua, que sugava com força. Logo o sino de bronze da catedral passou por mim, subindo e desaparecendo entre fortes badaladas para dentro da boca da lua.
E então eu despertei para descobrir que eu não tinha mais um corpo e que não tinha sido um sonho. Nem mesmo uma ilusão de ótica. A humanidade tinha sido finalmente varrida da face do planeta. Era um castigo pela nossa ilusão de ética.