Toc Toc

(Batida na porta)

— Oh, quem que bate em minha humilde porta?

— Sou eu!

— Eu quem? Há tantos eu’s no mundo.

— Mas como eu, só há um, e ninguém que se iguale.

— Então me dizes que és tu?

— Sou o amor de sua vida!

— O amor de minha vida? Mas casada eu já sou.

— É o que? Tu já és casada?

— Sim, sou. Me casei cedo, durante minha mocidade.

— Ah, perdão. Casa errada, foi mal aí eu ter atrapalhado. Tchau!

(Segue em direção a outra casa, e bate na porta)

— Quem se atreve a bater a minha porta essa hora?

— Aquele que você procura encontrar a anos.

— Não me diga! Ficas parado bem ai, e prepara-te para morrer seu ladrão de noiva miserável!

— O que? Que noiva? Que ladrão?

— Acabaste de dizer que era aquele que procuro a anos. Pois bem, eres o homem que levou minha noiva no dia do noivado.

— Quem? Eu? Nunca nem aprecie a beleza de sua donzela perdida.

— Perdida não! Roubada.

— Tanto faz. Perdão, errei de casa novamente.

— E que casa procuras então?

— Ainda não sei, mas ei de descobri.

— Tu é só mais um perdido da vida. Então parta logo e nunca mais volte a me incomodar.

(Saí ainda esperançoso para a próxima porta, e bate nela.)

— Meu bem, és tu? Finalmente voltastes da guerra?

— Que vizinhança mais estranha é essa hein?

— Então não és meu amor? Quem és tu?

— É complicado dizer, já fui o amor na vida de alguém, em outra, um ladrão perdido de noiva, logo não é tão fácil afirmar ao certo.

— Entendo. Mas porque batestes em minha porta, se não me conheces?

— Bati, porque as portas foram feitas para, além de serem abertas, serem batidas. E não a conheço mas posso conhecer, posso beber um copo de água?

— Claro, água não se nega a ninguém. Aliás, tem café e chá, aceita? Já faz um tempo que não recebo uma visita. Entre e sente-se.

(Entrando na casa da amável senhora)

— Muito obrigado, café está bom para mim. E muito obrigado também pela sua hospitalidade. E se me lembro, teu marido está na guerra? Que guerra, se me recordo bem, a guerra já acabou.

— Sim, ele…que história é essa de que a guerra já acabou? Posso ser idosa mas minha memória ainda está firme e forte.

— Perdão a pergunta, mas em que ano estamos? A minha memória já está falhando.

— Estamos em 1856. Esses jovens de hoje me dia, já não tem recordação de nada.

(Engasgando com o café)

— Ah…verdade, 1856. É esse ano mesmo. Em que ano seu marido foi para a guerra?

— Foi em 1832 óbvio. Porque tanto interesse em meu marido? Por acaso você é do exército?

— Por nada, senhora. Não sou do exército. Mas mudando de assunto, até agora não sei vosso nome?

— Mais respeito, viu? Sou senhorita. E aliás, o que faz você na casa de uma mulher solteira e comprometida? Fora! Já!

— Em? Como é que é? Senhorita? Solteira? A senhora é viúva e tem idade pra ser minha vó!

— Como é? — (Ela apanha uma vassoura e enxota ele para fora da casa) — Nunca volte aqui, seu assediador de jovens indefesas.

— Indefeso é eu, que apanhei de graça e nem tomei o café todo. Adeus velha louca desmemoriada!

(Ele segue rumo em direção a outra casa)

— O de casa? .

— Que…que…quem é?

— Eu! Um amigo!

— Ami…ami…amigo?

— Exatamente! Um amigo. Há quanto tempo meu amigo?

— Oi…oi…a…a…quan…quan…to tem…tem…po. Co…co…como…va…vai?

— Vou bem e você?

— Me…me…melho…lho…lhor ago…agora.

— Amigo, perdão a pergunta, mas o que tens? Estas bêbado ou és gago?

— Os…os…do…do…doi…is.

— Explicado. Mas amigo, por que bebes então? Se sabes que isso não ajuda em tua gagueira.

— Pra…pra…es…esque…esque…cer os …os…proble…proble…ma.

— E que problema é esse que tanto de aflige para estar ébrio?

— a…a…amo…amo…amor.

— Por amor? Quer dizer que o motivo é alguém?

— Nã…nã…não.

— Não? Então, amor pelo o quê?

— A…a…amo…amo…amor pe…pe…pela…be…be…bebi…da.

— Oh amigo que situação deplorável a sua. Mas estando feliz é o que importa. Pois beba até amanhecer. E adeus amigo. Tenho um mundo a explorar!

— A…a…ade…adeu…adeus.

(Segue rumo e para enfrente uma mansão, e chama…quer dizer, grita até ser atendido)

— Quem é que está gritando feito um sinaleiro a porta de madame?

— Ora pois. Quem mais seria se não eu? Seu filho perdido.

— Filho? Perdido? Não diga asneiras seu bêbado sem rumo.

— Opa, calma lá! Bêbado não. Ladrão de noiva, aí sim.

— Como? Ladrão de noiva…ah, isso não importa. Apenas saia daqui e vá importunar outra casa.

— Não saio até chamar mamãe!

— É o que? Sua mãe? Quem?

— Vá logo chamar mamãe! Está surdo?

— Co…Como é? SAIA LOGO DAQUI SEU LOUCO DESVAIRADO, ANTES QUE EU CHAME A POLICIA!

— TAMBÉM NÃO PRECISA GRITAR NÉ! …Eu vou, mas voltarei para falar com mamãe depois, e mandarei ela lhe demitir, seu mordomo de quinta categoria.

(Saindo às pressas e furioso, vem alguém em sua direção, e sem querer, acaba por esbarrar e derrubar uma moça.)

— VOCÊ NÃO VÊ POR ONDE ANDA? ONDE ESTÃO SEUS OLHOS? — Esbraveja.

— Perdão moço, eu andava distraída com algo. Sinto muito, mas bem que você podia ser mais educado, sua mãe não lhe ensinou modos? — Fala sem mudar seu tom.

— …sinto muito, eu não queria ter gritado com você, mas é que o dia hoje está sendo muito…louco, essa é a palavra que queria descreve melhor.

— Entendo, contudo, todos temos dias ruins, alguns bons, e outros péssimos, por isso peço que não saia gritando com a primeira pessoa que cruza na rua. Isso é estranho. Mas no fim das contas, quem não é? Ah…esqueça, adeus moço. — Acena, indo embora.

— É…moça, espere um instante…posso saber seu nome?

— Meu nome? É Amélia.

— Obrigado! — Fala meio alto, vendo-a se afastar cada vez mais.

E foi aqui que tudo mudou, esse nome me aterrorizará até o fim de meus dias, esse maldito nome, o nome da pessoa que destruiu minha vida.

Como gostaria que tudo aquilo tivesse sido uma mentira, um sonho, uma alucinação, mas não, não era, nunca foi. Pois a vida é cruel e gosta de nos pregar peças, algumas tão bem arquitetadas que parecem que nem eram para ser assim, porém são. Eu realmente me arrependo de ter perguntado o nome dela, eu juro do fundo de minha alma, era uma vida boa, tranquila, mas depois dela, o mundo virou do avesso.

Oh Deus, porque o maior dos problemas me acometeu? Porque eu tive que me apaixonar por uma estranha que encontrei na rua?

(Sigo em minha jornada, mas algo mudara)

— Que coisa estranha, sinto algo diferente dentro de mim, e isso dói…será que fiquei doente? Mas em tão pouco tempo? — sigo em direção ao hospital.

— Pois bem, o que você está sentindo rapaz? Algum problema no corpo? Está sentindo alguma dor?

— Não, não estou.

— Então o que vieste fazer aqui se estais perfeitamente bem?

— Eu não sei doutor, não sinto nada fisicamente, mas sinto que algo mudou internamente…

— Quer fazer uma radiografia? Pode ser um tumor, ou algum câncer.

— Que isso doutor? Vira essa boca pra lá! Eu não estou com nada disso, só sinto algo estranho…

— Estranho em que nível? Coloque numa escala de 0 a 10, por favor.

— Hum…vejamos, 10,7.

— Você sente algo, mas não sabe ao certo o que é…eu não curo isso ai, mas sei alguém que cura.

— Então você sabe o que é?

— Sei…quero que vá e encontre uma pessoa que se chama conselheiro, ele vai te ajudar nisso.

— Conselheiro? Você está falando sério?

— Apena faça o que digo. E verá…

— Se você diz…

(Sai para a rua, e começa a tentar encontrar o conselheiro, pergunta para uma mulher que fumava encostada numa esquina ali perto.)

— Olá moça, bom dia, poderia me dar uma informação sobre…

— 50 reais eu lhe deixo mais feliz, 100 reais você vai para as nuvens e com mais de 150 e um local, você faz o que quiser. Já lhe dei os preços.

— Oi? Não entendi, o que você quer dizer com todos esses valores? Como assim ir para as nuvens? E como você consegue deixar alguém feliz, se isso é algo tão difícil de conseguir?

(Ela olha para ele com um olhar de quem quer dizer: “É sério isso?” e bafora a fumaça na cara dele)

— Eu que pergunto, não sabes quem eu sou ou o que faço nas esquinas?

— Não, aliás como eu saberia, nem a conheço.

— É sério isso ou você só está tirando sarro de mim? Se for, fetiche é um pouco mais caro.

— Não, eu não estou tirando sarro de você, e porque eu faria isso? Você é uma pessoa assim como eu, o que nos torna diferente? Nosso órgão sexual? Nossa cor? Eu não entendo esse mundo direito ainda, por que há tanto preconceito?

— … — Ela ficara boquiaberta com esse homem que aparentava ser diferente da maioria, e ela não sabia se ele era um recatado extremista ou um louco que não sabia de nada.

— Moça, você está bem?

— Er…sim, estou, apenas um pouco surpresa com algo.

— Certo. Mas voltando a minha pergunta inicial, saberia me dizer onde encontro o conselheiro?

— Conselheiro? Nunca ouvir falar nele moço, perdão mas não o conheço.

— Ah…que pena. Muito obrigado mesmo assim. Adeus.

— …Adeus.

(Enquanto sai, ela não para de olha-lo, ela sabe que ele não é alguém normal, e antes dele se afastar muito ela grita)

— MOÇO! QUAL O SEU NOME?

— MEU NOME?

— SIM.

— NÃO TENHO! SOU TUDO E TODOS!

(Se vira e vai embora, deixando-a perplexa com a resposta que lhe foi dada. Chegando dentro de uma pequena vendinha, ela senta numa das cadeira do balcão e pergunta ao vendedor que assistia um jogo qualquer)

— Opa! Quem está ganhando?

— Também não sei, apenas olho por olhar, mas acho que é aqueles que estão vestindo vermelho, mas o goleiro do azul é quase sobrenatural, segurou umas bolas bem difíceis. E você que o quer para comer ou beber?

— Acho que uma água. Precisará pagar por ela?

— Mas é obvio! — fala o vendedor, como se tivesse sido apunhalado — Tudo aqui dentro tem um preço, inclusive, eu cobro pelo tempo gasto sentado, e no caso você já me deve 2 reais mais 1,50 pela água.

— Ahn? Até o tempo que fico sentado aqui tem preço? — pergunta enquanto se levanta do banco para ficar em pé, apenas encostado no balcão.

— Aliás, eu costumo cobrar pelas perguntas feitas também, quero lucrar com o máximo que der, não sei se consegue me entender. Mas vamos lá, tenho um faro para perguntadores. O que você quer perguntar? Se for muito difícil de responder eu deixo de graça, e se for muito simples, eu cobro. Entendeu? Gosto de coisa difíceis.

— Sim…e antes da minha pergunta principal, tem outra que gostaria de fazer, se tudo aqui tem preço, então até você tem um também, e eu também tenho um?

— Hum…foi uma boa pergunta. E sim, tudo aqui tem preço, mas para pessoas o valor é diferente, eu só bem pão-duro mas gosto de pessoas espertas como você, e o valor que dou para pessoas são em suas perguntas, por isso que se for bem besta a pergunta, eu cobro, para ver se a pessoas aprende a fazer perguntas boas, e são raras essas aí viu.

— Entendi. Certo, agora se tudo aqui tem preço, qual o valor que os sentimentos possuem?

— …rapaz, essa daí me pegou, nunca havia pensado nisso…vejamos…que valor você acha que eles merecem?

— Eu?

— Sim, se você perguntou, tem de saber responder em algum momento.

— Não consigo precifica-los, eles são muito complexo, e é bem difícil conseguir colocar um ou dois em categorias distintas. Por exemplo, sinto algo no peito que não sei dizer ao certo o que é. Melhor deixar para o senhor que trabalha com isso.

— Hoje é meu dia de sorte! Meu jovem, peça tudo que quiser, tudo aqui é de graça para você, depois de anos, finalmente apareceu alguém com uma pergunta realmente boa, e me pergunte o que quiser também. Já vi muitas coisas e pessoas, se é alguém que procura, de certeza que eu conheço.

(Ao ouvir isso, um sentimento estranho brotou em seu peito, e ansioso perguntou)

— Conhece o conselheiro?

— … — Essa pergunta foi mais que uma pergunta, o vendedor sabia disso.

— Moço? O que foi? Conhece ou não?

— Conheço…ou melhor conhecia. Era uma pessoa muito estranha desde pequena, em sua fase adulta foi pior. Desde cedo foi um ser do contra — isso em todas as áreas —, um ser que poderia ser confundido com um louco, tanto pelas suas esquisitices quanto por seus pensamentos que não condiziam com seus jeitos… — falava soturno.

— Como assim? Do jeito que fala até parece que ele morreu…Ele morreu? Então quer dizer que eu nunca poderei falar mais com ele, mas eu preciso!

— Se acalme, ele não está totalmente morto.

— Como é? Totalmente?

— É…seu corpo mortal morreu, mas suas ideias ainda residem mundo afora, e com mais clarezas em uma pessoas em especifico, sua filha adotiva.

— Então diga-me onde encontrá-la!

— Eis aí o problema, ela atende por Amélia, mas nunca mais soube notícias dela desde que era uma garotinha e vinha aqui me encantar com suas perguntas…como era igual ao seu pai…

— … — A imagem da mulher que conhecera na rua e que possuía o mesmo nome rodava em sua mente — O senhor disse Amélia? Acho que não escutei direito.

— A-M-É-L-I-A, melhorou agora?

(Sem nem dar tchau ao homem ele parte rapidamente, resmungando algo, ao local onde encontrou aquela mulher. E grita dizendo que isso é muita coincidência.)

— Mundo belo, mundo cruel, criaram inferno, criaram o céu… Mundo belo, mundo cruel, criaram inferno, criaram o céu… Mundo belo, mundo cruel, criaram inferno, criaram o céu…porque isso não sai da minha cabeça.

(Uma mulher que passava por ali escuta o que ele diz e o repreende)

— O que está falando? Como assim “criaram”?

— Criar de criar, fazer surgir, inventar, essas coisas…

— Quanta heresia! Pecadores! Isso é o azar em forma de ser manifestando suas forças em nós, abra os olhos e veja como estão todos errados. Não temos esse poder de “criar”, nós não, mas Ele — fala apontando para o céu e reverenciando — pode e fez, um paraíso para quem O segue, e a danação para quem não O ouve. Fique esperto, já estamos perto do dia de sua volta à terra.

— Calma aí moça, também não é assim que funciona né. Conheço perfeitamente Deus, e ele não é tão cruel quanto diz, somos seus filhos, não tem lógica ele criar um local para sofremos eternamente. Nós criamos isso, e as vezes acho que até criamos Ele, o silêncio dele…

— Heresia! Heresia! Se arrependa logo do que diz! Pecador!

— Se acalme! Olha o que está dizendo…ah, entendi o que você é…

— O que sou? Vamos lá! Diga. O que sou?

— Ninguém. É apenas mais alguém como qualquer outra, que não consegue enxergar nada além do que está acima do nariz. Ou melhor, abaixo, já que não consegue olhar para o céu.

— O que está…dizendo? Ninguém? Quem você pensa que é? Eu sou alguém, na verdade, alguém melhor que você, seu herege, pecador infame, como ousa agir como se fosse algo melhor do que é? Não percebe? Não enxerga? Você deve ser apenas mais um louco! É isso! Um louco, um desvairado. Que Deus perdoe sua loucura, amém.

— Se eu sou louco, o que você é?

— Uma pessoa sã, óbvio! O que mais poderia ser? Sua loucura não permiti nem enxergar isso? Pobre pecador, perdeu tudo por não ter obedecido Ele. Que o perdão venha até você.

— …obrigado moça. Eu já vou indo, tenho alguém para encontrar! Sua opinião…esquece, tenho coisas para fazer. Até outra vida!

— Ahn?! Até…

(Segue a procura de Amélia, deixando para atrás uma alma sem salvação, enquanto retorna e passa pelos mesmos locais de antes, cumprimenta todos que conheceu, até…)

— O que tem aqui? O que é aquilo? Espera…não tem nada aqui? É apenas nada. Então de onde eu vim?

Olá, aqui sou eu, seu criador!

— Quem está falando? De onde veio essa voz? Quem está ai? Ou melhor, onde está você?

Você não pode me ver, pois eu não existo, não aqui nesse mundo. Na verdade nada existe. Sua existência se encontra apenas dentro de minha mente, tudo aqui foi manipulado, até seus sentimentos.

— O que você está dizendo? Como assim eu não existo? Eu existo sim! Se estou em algum lugar eu existo…minhas decisões não foram minhas? Eu não fiz nada de verdade? O que aquela moça falou era realmente verdade? Onde está meu livre-arbítrio? Minha liberdade? Meus sentimentos…

Perdão, mas como tudo que existe, você apenas faz parte de uma história qualquer que eu criei. E você quebrou a única regra de uma história, voltar ao começo dela. Tentar reconstruir seus passos até o começo de tudo. Não há nada daqui para trás porque você apenas existia daqui para frente, sempre em frente, nunca para trás.

— Espera, se eu cheguei até aqui, quer dizer que eu ainda possuo um pouco de livre-arbítrio? O que você fez? Eu não sou ninguém! Minha existência não vale nada? Porque me criou para isso? Você é um monstro sabia!

Perdão. Você tomou uma decisão que eu não havia tomado totalmente, a culpa não é apenas minha. E sim, eu sei que sou um monstro. E não, sua existência é algo, pequena, fraca, mas existe e vale. Perdão por tudo.

— Eu não entendo…e Amélia? Ela também voltou para trás, vinha nessa direção. Cadê ela?

Ela…não existe ainda, pelo menos por enquanto. Ela desapareceu depois daquele momento em que você foi embora, enquanto você continuava com ela, ela existia, saindo de perto, ela desapareceu. Tudo desaparece quando você não está perto desse algo, por isso sua existência vale, você é como um deus nesse mundo.

— É O QUÊ? QUÊ? NÃO…NÃO…CADÊ ELA? CADÊ ELA? SEU MONSTRO! NINGUÉM REALMENTE IMPORTA PARA VOCÊ, SOMENTE EU? ME MATE! PREFIRO MORRER DO QUE SOFRER VIVENDO ISSO!

…Tem certeza do que está dizendo? Prefere realmente a morte? Me desculpe, eu não posso evitar, o rumo de tudo era tomado por você, e eu apenas escrevia os seus desejos, se queria ir para frente, você ia para frente, se queria falar com alguém, ia falar com esse alguém…você tem certeza?

— ISSO É DESUMANO SABIA! VOCÊ, SOMENTE VOCÊ, QUE FEZ TODOS ELES DESAPARECEM, A MULHER CASADA, O NOIVO SEM NOIVA, O BÊBADO, A VELHINHA DESMEMORIADA, TODOS…Todos…todos…Eles não existem mais? Se eu realmente quiser morrer, eu irei morrer?

Existem, mas em algum momento ou outro desaparecerão pois não tem como você está em todos os locais ao mesmo tempo, isso é impossível…perdão, mas sim, você pode morrer a qualquer momento, bastava realmente querer.

— …qual meu propósito?

Eu não sei…

— O que quer de mim?

Eu não sei…

— Você apenas conseguiu estragar tudo…deveria ter continuado calado…você sabe o peso disso tudo? Sabe o que é descobrir que não existe? Em? SABE? ME DIGA!

Eu…sinto muito…eu não controlo isso, já lhe disse…é você, somente você…

— …o que acontece se eu quiser morrer bem agora?

Eu…não sei, não imaginava que chegaria a esse ponto. Tudo estava indo perfeitamente, mas então você decidiu voltar. Tudo que acontece a partir de agora é novo até mesmo para mim.

— E se eu voltar? O que acontece se eu simplesmente retornar e fingir que nada aconteceu de verdade?

Para o mundo, nada. Mas para você…tudo. Ou você acha que consegue olhar para cara de quem você já viu antes? Mesmo sabendo que não existem.

— …Eu…não…sei…

O que você vai fazer então?

— …morrer? Eu realmente não sei, apenas não quero continuar assim…me mate, me faça esquecer…refaça tudo novamente…me mate…

Adeus…nos veremos em outro momento…talvez…

(Batida na porta)

— Oh, quem que bate em minha humilde porta?

— É…sou eu?

— Eu quem? Há tantos eu’s no mundo!

— Ninguém não, adeus!

— Ahn? É o quê? Meu amor és tu?

— Infelizmente não moça…há algo muito errado aqui, sinto que já a vi em outro momento moça. Qual seu nome?

— Nome? Meu nome é…eu não sei meu nome, como eu não sei meu nome? Eu sei que tenho, mas não consigo dizer…

— Ah…certo, adeus moça, espero que se recorde de seu nome.

— Adeus moço, eu também espero…

(Em frente a próxima casa, ele quer bater mas não consegue, então apenas vai para a próxima casa e quase hesitando bate na porta)

— Meu bem, és tu? Finalmente voltastes da guerra?

— Não…mas poderia me contar sobre ele? Se não for muito incomodo?

— Oh…não é meu bem, mas claro, quer entrar e tomar um café? Lá dentro eu conto — sorri amavelmente.

— Acho que eu estou bem aqui fora…pode contar aqui mesmo.

— Ok então. Ele era…era…sobre quem mesmo estamos conversando, aliás, quem é você?

— …Sobre ninguém não senhorita, e eu também procuro saber quem eu sou. Adeus, acho que eu não deveria ir, mas não quero ficar. Adeus, você é muito adorável. Até a vista…se isso realmente acontecer — fala essa última frase sussurrando.

— Oh…Adeus então, caso veja meu bem por aí, avise que o café vai esfriar se ele não chegar logo.

— Pode deixar que eu aviso. Adeus.

(Segue em direção a próxima casa, bate na porta, mas ninguém responde, então segue para a próxima)

— EEEEEeeeeeiii…porque eu gritei? — Olha em volta e vê uma campainha, a toca.

(Em alguns segundos aparece o mordomo, e o olha com ar de indiferença)

— Bom dia Monsieur, o que deseja? Talvez tenha errado de casa.

— Bueno, só gostaria de perguntar algo. Qual o seu nome?

— Meu nome? Meu nome é…é…o que está acontecendo, eu não me recordo dele. Mais alguma pergunta Monsieur?

— Como é a “sua” madame? Consegue descrevê-la?

— Ela é…é…Monsieur, pedirei que se retire daqui imediatamente, está fazendo muito barulho sabia? Para que toda essa sua gritaria?

— Ok…eu já estou indo. Au revoir.

(Deixando o mordomo totalmente confuso e estagnado em frente ao grande portão, ele parte em direção a…nada?)

Olá, aqui estamos nós novamente…por que você fez isso? Você não esqueceu tudo completamente…ainda sente quando olha para alguém…

— Quem está aí? Quem é você? Apareça, eu não vou lhe fazer nenhum mal.

Eu sei que não vai…não há pessoa que lhe conhece melhor do que eu…mas eu não posso, e nem você…eu não posso lhe ver e o mesmo ocorre para você…

— Como assim? Ai…que dor foi essa agora? Ai, ai, ai…Que dor é essa?

Isso é muito para você…me desculpe mesmo…eu sinto muito…

— AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHH!!! FAZ ISSO PARAR! FAZ ISSO PARAR!

Sinto muito, mas é você que tem que acabar com isso tudo…somente você…

— EU NÃO CONSIGO! ESTÁ DOENDO! MINHA CABEÇA VAI EXPLODIR! AAAHH!

Não tem nada do que eu possa fazer agora…estou impotente…denovo…

— O QUE EU TENHO QUE FAZER PARA ISSO PARAR? RÁPIDO…por favor — fala chorando de dor

Eu…Eu…não…

— Por favor…

Uma escolha…continuar ou recomeçar?

— re…eu quero continuar! QUERO CONTINUAR! A dor…ela acabou. Ela acabou!!! O que você fez? Aló? Ei, cadê você?

O que está acontecendo comigo? Como isso pode estar acontecendo? NÃO! NÃO! NÃO!

— O que foi? Me fala! Fala!

O que é essa dor que eu estou sentindo agora? Porque essa sensação de vazio? O QUE ESTÁ ACONTECENDO?

— Tenta se acalmar, fica calmo, eu estou aqui! Ei, ei, aló?

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!! O QUE É TUDO ISSO? QUEM SÃO ESSAS PESSOAS? O QUE QUEREM DE MIM? SAIAM DAQUI! SAIAM! SAIAAAAM!!

— EI! VOCÊ ESTÁ BEM? EI! ME RESPONDE…por favor…

PARA! PARA POR FAVOR…EU NÃO AGUENTO ISSO…MINHA MENTE…MINHA MENTE…MINHA MENTE…MINHA…MEN…TE…

— aló? Me responde por favor, você está bem? Por favor, eu estou praticamente implorando…você está bem?

…você…está?

— …

Desculpa…é que…eu acabo de mudar eu acho…eu não me sinto como antes…eu agora vejo tudo tão diferente…

— e o que isso quer dizer?

Eu não sei totalmente…mas eu não aguento mais nada…eu disse a pouco tempo que tudo é você, você que faz isso, você que faz aquilo…mas e eu? Onde eu estou nisso tudo?…na primeira vez que nos encontramos, no final de tudo, você preferiu morrer do que continuar do jeito que estava…então como minha única escolha enquanto ainda tenho consciência…eu quero o mesmo…quero morrer…acabar com tudo isso…me desculpa por tudo…Adeus…

— NÃO! NÃO! EI, CADÊ VOCÊ? ME RESPONDE! ME RESPONDE! EI, EI, EI, EI…cadê você…por favor…me responde…

(aquilo pareceu um sonho para ele, quando ele piscou e olhou para onde estivera olhando esse tempo todo, tudo voltara. Havia vida, pessoas.)

(Ele se virou em todas as direções, e para onde olhasse havia algo belo para se ver, e algo mudara dentro dele, assim como ele sentia que se esquecera de algo importante.)

(Ele não entendia o que era, mas uma tristeza inconsolável se abateu sobre ele, como se ele tivesse perdido, faltando algo. Olhando em volta novamente, ele nota uma bela moça que vem em sua direção.)

(Seus olhos brilharam, sua tristeza passou. Mas ainda continuava lá.)

(Seus ombros por um momento pareceram pesados, como se um peso gigantesco estivesse sobre ele, mas foi temporário. Quando a moça passou por ele, cumprimentou dizendo que estava uma bela manhã.)

(Aquilo era um dejavu para ele, tudo aquilo.)

(Quando perguntou o nome da moça, sua mente pareceu que viajara por tudo e todos, e retornara de volta explicando tudo, ele já não era mais ele.)

— Amélia? É um belíssimo nome!

(não se sabe o que aconteceu a partir daqui, pois tudo se esvaneceu e escureceu, mas ainda havia uma fina luz vindo de algum lugar, talvez ali estivesse o final de tudo. Pena que não há quem posso chegar lá para contar o que aconteceu com Amélia e ele…)

FIM!