Carro batido
Dia de folga, estava eu indo pra praia dirigindo tranquilamente na orla. Parei num semáforo e como estava ouvindo uma música romântica antiga num volume um pouco acima do meu normal não percebi um outro veículo aproximando-se sem, aparentemente brecar. A pancada foi forte e ainda meio atordoado saí do meu carro e fui ver o estrago. Um veículo SUV importado estava com a sua frente arrebentada, não muito diferente da traseira do meu.
A motorista, extremamente nervosa não sabia o que fazer ou falar. Ela estava tendo uma briga com alguém ao telefone e não percebeu o sinal fechado , tampouco o meu carro no trajeto. Os populares logo nos cercaram enchendo de perguntas sobre nosso estado físico. Tudo bem comigo, mas não com o possante, né? Ela só fazia sinal de espera aí e continuava a discutir com a pessoa no celular.
Ao perceberem que só havia danos materiais e que eu já havia tomado conta da situação pois fui colocando o triângulo atrás do carro dela e ligando o seu pisca de alerta sem que a conversa terminasse.
Fotografei de vários ângulos e pela experiência do meu trabalho, quando a polícia chegou foi só abrir o boletim de ocorrência e acertar quem ficaria com o prejuízo.
Ela, bastante transtornada, logo assumiu toda a culpa e informou que seu seguro ressarciria todo o sinistro de ambos. Dona já da situação me convidou para tomar uma bebida num restaurante próximo, enquanto aguardávamos o guincho. Pedi uma água com gás.
Durante um bom tempo fiquei escutando o desabafo de uma mulher com a autoestima abalada, frustrada com o que poderia ser um companheiro, decepcionada com os homens e por aí vai...
Envolvi suas mãos meio trêmulas com as minhas e ato contínuo dei um beijo em ambas e olhando diretamente em seus olhos disse que nem todos os homens eram aquilo que nem poderia classificar de tanto asco que me deu de uma pessoa que poderia estar se deliciando com imagens ou coisas parecidas de um parente meu também. Me pus em seu lugar sem pestanejar.
Sabia que ela precisava de um apoio e ao ligar para uma amiga ela pediu uma carona e que eu fosse na sua casa ver os documentos ou coisa parecida. Durante o trajeto ela falava sem parar e a amiga fez duas ou três perguntas somente e na última perguntou somente o meu nome e o que eu fazia da vida. Resposta feita, um olhar de cumplicidade brotou no espelho retrovisor.
Chegando na casa, ela estava tão nervosa que nem conseguia colocar a chave no lugar certo. Aquilo foi mais um motivo para um abraço apertado e acolhedor. Entramos e nem demos dois passos e ela me deu um outro abraço como que pedindo socorro. Ficamos parados até que ela realmente se acalmasse. Que bom momento. Restabelecidas as forças ela me olhou nos olhos e sussurrou um obrigado vindo da alma.
Me deu um beijo na testa e foi para a cozinha perguntando se eu queria um suco ou algo parecido, pois desde o restaurante deixei claro que álcool não era meu forte. - água, disse eu. Ela se dirigiu à geladeira e num relance olhou pra trás e com um sorriso disse apontando pro eletrodoméstico que era pra eu ficar à vontade. As garrafas de água mineral estavam na parte de baixo e ao inclinar percebi que ela estava visivelmente aliviada por ter um ombro amigo, mesmo que desconhecido.
Sentei-me no sofá e ela veio e deitou ao meu lado colocando sua cabeça em minhas coxas. Fiz um cafuné, como minha avó fazia em nós quando estávamos assim, e não foi nenhuma surpresa vê-la adormecer.
Acordamos aproximadamente umas duas horas depois e envergonhado eu não sabia o que fazer, pois ela poderia trazer para sua casa uma pessoa igual ou pior do que aquela que ela havia se relacionado. Ela me deu outro beijo na testa e com um sorriso franco disse algo que mexeu comigo: - Ninguém que tenha o coração mau faz o que você fez por mim.
No dia seguinte no meu plantão no hospital soube de um acidente de carro. Um motorista embriagado bateu de frente com um muro pois estava “fugindo” de alguns perseguidores. Adivinha quem era o sujeito?