RAUL
1927
Raul, nascido em 30 de Junho de1915, estava com 12 anos e terminava o Curso Primário.
A classe de meninos do Colégio Beneditino estava um tanto tensa, terminavam a prova de Geografia, e logo sairiam para suas casas, naquele sábado de sol..
Algumas das questões eram muito complexas, e olhos se espichavam para ver se captavam alguma informação na folha de papel almaço do colega, mas Padre Alonso, o vigilante passeava pelo corredor enquanto dava leves tapas, nas costas das mãos balofas, às suas costas, a cada passo. No silêncio do corredor o bater das costas das mãos imitava um contraponto com os toc... toc... compassado dos saltos das botinas de couro, nas tábuas do assoalho do imponente Colégio: ...toc- plaf...toc- plaf...
Ao passar pela frente de cada classe, os olhos de águia, do Padre de idade indefinível, perscrutavam pela vigia da porta, o interior das classes. Passeava seus olhinhos espremidos cobertos pelas sobrancelhas arrepiadas, de rosto em rosto cada menino, com um sorrisinho sarcástico que lhe arreganhava o nariz adunco, enquanto seus lábios repuxados para baixo, davam uma expressão de desprezo ao rosto avermelhado emoldurado pelos cabelos ruivos, que começavam a encanecer nas têmporas.
Raul, sentia um arrepio percorrer sua coluna e eriçar seus cabelos, cada vez que o Padre Alonso o fitava com aquela expressão enigmática e perversa...
A sineta tocou no corredor ecoando pelo corredor.
As provas foram passando de trás para frente até serem todas entregues ao Padre professor. Entregue a última folha, todos se levantavam em silêncio, e saiam em fila com os braços fazendo a “quarta posição”, onde o braço esquerdo se mantinha estirado ao longo do corpo, enquanto a mão direita segurava o braço esquerdo na altura do cotovelo, formando um número quatro às costas. Raul nunca entendeu porque precisavam ficar nessa posição para caminhar pelas dependências do Colégio.
A disciplina monástica da tradicional Escola não admitia nenhuma conversa pelos corredores. E todos dirigiam-se ao grande saguão que antecedia os poucos degraus que levavam ao jardim muito bem tratado, e finalmente à rua, onde a liberdade para falarem, explodia entre os meninos, como um grupo de Pardais à hora do crepúsculo.
Mas naquele dia, ao sair da classe, Raul sentiu a mão quente e suada do Padre Alonso, em sua nuca. Estacou assustado, pois estava em silêncio, e não dera motivo algum para ser repreendido. Lívido, como se um raio tivesse atravessado seu corpo desde a cabeça até o pé, o menino virou a cabeça para ver porque o vigilante o segurava, e viu um sorriso sarcástico na cara avermelhada do padre, que fez um sinal com a cabeça, indicando para que ele se dirigisse em sentido contrário ao da saída, à sacristia, que naquela hora do dia se encontrava fechada.
Preocupado, Raul remexia as lembranças das atividades da última semana em busca de alguma “arte” que justificasse aquele “convite”; mas não se lembrava de nada...
O corredor que separava a salinha na qual o temido Padre Alonso costumava aplicar infindáveis sermões, e até algumas palmadas de palmatória nos alunos mais rebeldes, e as classes, parecia ter ficado ainda mais longo naquele momento. Caminhando em silêncio, Raul quase que podia ouvir seu coração batendo apressado de medo, enquanto ouvia o toc - toc dos saltos das botinas, o resfolegar apressado da respiração curta e quase ofegante, e o ruído da batina a cada passo do padre, que mantinha um enigmático quase sorriso no rosto vermelho, como que antegozando o resultado daquela misteriosa entrevista.
Chegando à sacristia, Padre Alonso parou, conferiu os dois lados do corredor como que a se certificar de que ninguém os vira, e empurrou levemente Raul para dentro da saleta, trancando a porta por dentro. Abriu rapidamente a porta da sua salinha, e com um sorriso amável, fez um gesto com a mão, para que o menino entrasse, fechando a porta atrás de si e passando a chave, que foi retirada e colocada em seu bolso.
Raul não estava nem um pouco à vontade com aquela entrevista. Porém, como sua consciência não o acusava de nada, fitou o padre sorrindo, e foi então que um arrepio de pavor percorreu sua espinha, ao ver que o padre erguendo a batina, desafivelou o cinturão de couro que usava e, o segurando pela fivela, deu uma volta em sua mão gorducha e o estalou no ar, como se fosse um domador. Raul deu um passo para trás trêmulo de medo. Ele iria apanhar de cinta? Por quê?? Padre Alonso levou o dedo indicador aos lábios em sinal de silêncio, enquanto passando a outra mão por debaixo do braço do menino puxou seu corpo de costas junto ao seu. Raul tentou se afastar, mas a visão daquele cinturão vibrando em sua frente o fez entender que seria surrado caso resistisse. Com a mão que segurava o cinturão, o padre tapou a boca de Raul, enquanto que com a outra mão, descia seus suspensórios e arreava a calça do uniforme. Apavorado, Raul tentava de afastar daquele corpo peludo e suarento, enquanto o padre lhe sussurrava ao ouvido:
- Shhhhh..... Quietinho, meu anjinho..... não vai doer nada.... é só você ficar bem quietinho, meu amor.....
Horrorizado, o menino não sabia o que aconteceria com ele, sentia o corpo do padre se esfregando em suas costas, em suas nádegas, sentia dor, queria escapar das garras daquele homem que ofegante babava em seu pescoço enquanto dizia palavras desconexas misturando palavras em latim com expressões chulas; queria fugir dali, gritar! Mas a mão do padre o sufocava, tapando sua boca e nariz, como a querer sufocá-lo.... Então num ato de absoluta defesa, mordeu o dedo gordo que lhe tapava a boca. O Padre soltou um urro contido, e desferiu uma lambada com o cinturão, que atingiu as costas e uma das orelhas de Raul, que correu para a porta que se encontrava trancada. Enquanto o sangue escorria pela sua mão, o padre avançou sobre o menino, e agarrando-o pela gola da camisa, o virou para si, e esfregando o cinturão em seu rosto, grunhiu, espumando de ódio ao ver seu desejo interrompido, e dor no dedo cortado pelos dentes de Raul:
- Não aconteceu NADA aqui hoje está ouvindo bem??? NADA!!! E se você falar qualquer coisinha para quem quer que seja, vai experimentar o peso desta cinta, está me ouvindo?! Ficará de joelhos no milho durante uma aula inteira, aqui trancado comigo!! E depois será expulso deste Colégio e nunca mais poderá estudar em lugar nenhum!! E eu contarei para o seu pai que você me mordeu sem motivo algum! Está entendendo, Raul!!!? Agora arrume-se e saia daqui imediatamente sem que ninguém saiba de onde está saindo. Vamos!! Vá!!! Vá!!!!
Atordoado pela indignação, o menino saiu dali sem muito esforço para não ser visto, uma vez que todos já haviam deixado o Colégio. Chegou ao jardim, sentindo o rosto afogueado pelo vexame. Grossas lágrimas desciam pelo seu rosto, e ele as enxugava nos punhos da camisa, assim que se viu na rua, correu. Correu como se quisesse escapar de seu próprio pensamento. Dois quarteirões após, havia uma casa desocupada, toda fechada, mas que tinha um tronco de madeira na frente da janela do quarto. O menino sentou-se no tronco com as pernas encolhidas, encostou os braços nos joelhos e escondendo o rosto nos braços, chorou copiosamente, de ódio, de nojo, de vergonha, de medo...
Pouco depois já refeito, rumou para casa.
A mãe, atarefada com seus dois irmãos menores perguntou sem nem olhar para ele, o por quê dele haver se demorado, e mesmo sem esperar pela resposta nem reparou que Raul não comeu quase nada, e mostrava uma marca vermelha na orelha esquerda, fruto da cintada que o Padre Alonso lhe aplicara.
O tempo passou...
Tempos difíceis para sua família, de 6 irmãos....1ª Guerra Mundial 1918, Revolução de 1924. Revolução Constitucionalista de 1932. Segunda Guerra Mundial 1942. Ditadura Militar 1964. Seus irmãos casaram-se, tiveram filhos, e Raul sempre solteiro.
Nunca tiveram tempo de conversar com ele, de saber o porque daquele olhar tristonho, que aliás o acompanhava desde a mais tenra idade...
A única coisa que ele deixava transparecer era a sua profunda antipatia, ódio mesmo, pelos padres, os quais se referia dizendo “Aqueles saiúdos”! “Eles tem uma cinta sob a batina”!
Raul parecia ter perdido toda sua vontade de viver, naquele dia... Não tinha amigos, só saía em companhia de seus irmãos para treinar ciclismo, o esporte que todos praticavam, mas nunca se destacou, e nunca saía só.
Quando um dos seus irmãos mais velhos casou-se e foi morar em Santos ele ia visitá-lo, geralmente em companhia de outro irmão, e lá saíam com Leandro um amigo de seu irmão, e saíam todos de barco para pescar.
Leandro, exímio nadador, mergulhava próximo às pedras e trazia ostras vivas, para comerem com limão e uma cachacinha da boa... Muito alegre e contador de histórias, Leandro era o centro das atenções e todos riam muito ao seu lado.
O tempo continuou passando.
O irmão de Raul voltou a morar em São Paulo e as viagens para o litoral se acabaram...
Raul sentia falta dos momentos de descontração e dos olhos verdes de Leandro, que continuou morando em Santos, mas mantinham contato por cartas.
Por trabalhar por conta em um escritório particular, tinha liberdade para escrever, ler e reler quantas vezes quisesse, as cartas do amigo, que falava em saudades, e vontade de vir visitá-lo em seu escritório,o que facilitaria o encontro dos dois.
Umas poucas vezes Leandro subiu a Serra e os dois se encontraram durante o expediente, pois Raul morava com seus pais, almoçava em casa, e sua vida passou a ser ainda mais controlada pela sua mãe depois da morte de seu pai em 1953. Outras, Raul avisava sua mãe que não viria almoçar porque tinha algum trabalho urgente para entregar, e em lugar de ir para o seu escritório, descia para o Litoral, onde se encontrava com Leandro. Passavam horas felizes. Caminhavam pela praia, saiam de barco, conversavam muito, almoçavam juntos e ele voltava sem que nem seus irmãos, nem sua mãe, com quem ainda vivia com quase cinquenta anos, percebesse.
E continuava sua vidinha de casa para o trabalho e do trabalho para casa, sem que ninguém nunca prestasse atenção ao seu olhar tristonho...
O tempo foi passando, e Raul cada vez mais introspectivo.
Já fazia sete anos que seu pai havia falecido, e Raul, que assumira os cuidados com a mãe, às vezes se irritava com suas perguntas e com a cobrança sobre seus horários. Já não podia mais sair com tanta liberdade para se encontrar com Leandro, que também havia montado um pequeno negócio no litoral e não tinha mais como vir a São Paulo encontrá-lo, e como seu comércio tinha propaganda num jornal Santista, Raul fez assinatura desse periódico e assim era como se ficasse um pouco mais próximo do amigo.
Três anos depois, um dia Raul acordou muito irritado, e não sabia o porque. Não trocou nenhuma palavra com sua mãe, tomou seu café e saiu para o trabalho. Na hora do almoço, ele disse para a mãe que talvez chegasse mais tarde à noite. Como ela estranhasse, pois ele pontualmente às 18 horas chegava em casa, começou a perguntar ao filho por que ele iria se demorar. Onde iria. Se estava se encontrando com alguma mulher... Se iria agora começar a deixá-la preocupada o esperando, até que horas... Raul nada respondia, remexia a comida com o garfo mas não colocava nada na boca. Sentia uma raiva! Uma tristeza... E sua mãe não parava de falar... Falar...FALAR!!!
Num acesso de ira, Raul pegou a pesada mesa de madeira maciça com quatro gavetas cheias de toalhas e talheres, pelas duas pernas, e a virou com todas as panelas e pratos que estavam em cima. CHEGA!!!! - gritou – Retirou o guardanapo o atirou sobre a mesa virada, e ante o espanto de sua mãe, que só não foi atingida, porque se sentava do lado e não em frente ele, saiu entrou no carro e se foi.
A mãe chorava e gritava: - ESTÁ LOUCO!! RAUL ESTÁ LOUCO!!! – enquanto era amparada por sua nora e sua neta que moravam na casa vizinha.
Ele saiu desarvorado. Parecia querer fugir de si mesmo... Mas por quê?...
Antes de chegar ao seu escritório, passou na Caixa Postal e entre as correspondências, pegou o jornal que assinava. O atirou sobre a mesa e saiu caminhando pela Praça da República, para ver se se acalmava um pouco. Não sabia porque estava se sentindo tão irritado... Ficou o resto da tarde caminhando pelo centro da cidade. Até chegar ao Largo São Bento, onde o Carrilhão batia as cinco horas. Olhou para o velho Mosteiro e se lembrou do Colégio, e daquele padre horrendo. Pensou na sua atitude coma a mãe, sentiu-se arrependido por haver feito o que fez. Entrou na Igreja quase vazia à quela hora da tarde e caminhou pela nave, parando de nicho em nicho lendo os nomes dos Santos escritos nas bases das imagens. Depois sentou-se e ficou pensando em sua vida... Estava com cinquenta anos , e ainda morava com a velha mãe. Todos os seus irmãos já tinham formado família, menos ele... Nem queria mesmo se casar. Achava que as mulheres eram traidoras, seduziam os homens para ficarem vivendo do seu dinheiro. Ou enchê-los de filhos para sustentar... Ou ficarem rabugentas como sua mãe, que vivia querendo saber da sua vida... e ainda ele tinha de fazer companhia na hora do almoço... E nem o contato com Leandro ele poderia ter mais, por causa dela...
Seus pensamentos foram interrompidos pelo carrilhão que batia as 18 horas.
A Igreja acendia as luminárias e as pessoas começavam entrar para o Angelus.
Raul “voltou a si” como se tivesse estado a tarde toda num transe. Ergueu-se e fitou a imagem de São Bento, que parecia olhá-lo com benevolência.
Todas as pessoas ao entrarem na Igreja fazem o “Nome do Pai”. E ele, para não chamar atenção também repetiu o gesto que não fazia mais desde que saiu do Colégio quando menino. Ao passar pela secretaria da Igreja, viu que ali vendiam várias imagens de Santos.
Apressou o passo, voltou ao escritório para pegar sua pasta, e voltou para casa, onde sua mãe, sentida, nem o olhou, e ele foi dormir sem jantar.
Na manhã seguinte saiu na hora do costume, resmungou já saindo: - Cháu Mã...- e não esperou pela resposta.
Ao chegar ao escritório, viu sobre a mesa o jornal de Santos. Sentiu uma profunda saudade de Leandro. O que ele estaria fazendo à quela hora?...
Abriu o jornal; e estampado na primeira página, em letras garrafais, “CRIME ASSUSTA MORADORES DA BAIXADA SANTISTA!”. Quando vai folheando o jornal, novos detalhes da manchete de capa... : O COMERCIANTE LEANDRO........ SOFREU UM ASSALTO EM SEU ESTABELECIMENTO , REAGIU, E ARMADO, PERSEGUIU OS BANDIDOS ATÉ A ILHA PORCHAT, ONDE FOI DOMINADO PELOS MELIANTES QUE O MATARAM USANDO SUA PRÓPRIA ARMA, E ATIRARAM SEU CORPO AO MAR, TENTANDO ESCONDER O CRIME, QUE FOI PRESENCIADO POR MORADORES DA REGIÃO.
DEVIDO À RESSACA DE ANTEONTEM O CORPO AINDA NÃO FOI LOCALIZADO. OS TRÊS ASSALTANTES FORAM RECONHECIDOS E DETIDOS. CONFESSARAM O CRIME E ESTÃO PRESOS......
Raul ficou por algum tempo estarrecido. Releu várias vezes a notícia, para se certificar de que não estava tendo um pesadelo... Mas não havia mais dúvidas, era Leandro mesmo. Havia uma pequena foto dele. Aqueles olhos tão lindos, tão profundos, que o olhavam com tanta ternura e carinho, que lhe davam tanta esperança de serem felizes....
Raul saiu quase que correndo pela rua e entrou no Mosteiro de São Bento. Não sabia mais rezar... Mas ele precisava falar com alguém sobre o seu Amor... ninguém o compreenderia... mas aquelas estátuas o ouviriam e, se não o confortassem, também não o condenariam... Começou a ir de nicho em nicho, ler o nome do Santo representado por aquela imagem, e em voz alta, dizia palavras desconexas... chorava... ria... se ajoelhava... pedia perdão... falava o nome de Leandro... agradecia... se irritava... dizia que não mereciam aquilo...
O padre, observando suas atitudes, veio falar com ele, e avisá-lo de que a Missa das 18h iria começar, se ele gostaria de se confessar, assistir a Missa, comungar... Ele ao ver o padre paramentado para a Missa, reviu aquele dia fatídico de sua infância, e saiu rapidamente da nave. Entrou na secretaria e comprou três imagens de São Bento. Colocou uma delas dentro de sua pasta, e com uma debaixo de cada braço, voltou à Igreja onde a Missa começava, e recomeçou a falar com os Santos em voz alta, atrapalhando a Missa.
Outro Padre, de calça e camisa, o convenceu a ir para casa.
Ele voltou ao escritório, deixou uma imagem de São Bento ali, e voltou para casa levando a terceira imagem de São Bento.
Seu irmão, que estava querendo falar com ele desde o dia de sua “explosão”, ao vê-lo entrar com o carro, atravessou o portãozinho que dividia os dois quintais, e foi tentar conversar com ele. Mas ele entrou no banheiro e gritou de lá que iria tomar banho e iria se deitar, pois tivera um dia muito difícil e estava muito cansado.
O irmão falou com a mãe e ela disse que ele não tinha vindo almoçar mas não lhe avisara, como costumava fazer... e que ultimamente Raul estava muito estranho.
Naquela noite Raul Não conseguiu dormir... Leandro não lhe saía da mente... chorou muito abafando os soluços no travesseiro, para que sua mãe não ouvisse.
Saiu do quarto mais tarde. Avisou a mãe que não viria almoçar, e nada respondeu, quando ela lhe perguntou se não iria nem tomar o café da manhã.
Saiu. E em lugar de ir para o escritório, tomou o rumo da Via Anchieta.
Ao chegar na praia, parou o carro defronte ao comércio de Leandro, que se encontrava fechado e tinha um aviso colado na porta de ferro: FECHADO POR LUTO.
Se ainda lhe restava alguma esperança, acabou alí. Saiu caminhando pela praia, onde tantas vezes se encontraram, sentiu a brisa fresca do Mar arrepiar sua pele. Sem Leandro, nada mais tinha sentido para ele. Sentou-se na areia e ficou vendo as pequenas ondas, que davam a impressão de chegarem até ele, mas paravam, e voltavam para o Mar, e pensou na Felicidade, que apareceu em sua vida depois de tanta solidão, veio ao seu encontro, e quando ele pensava em SER FELIZ... tudo voltou a ser como antes. Sua vida nunca havia sido feliz. Desde menino. Mas ele nunca contou nada para ninguém. Jamais o compreenderiam... Sentia-se até arrependido em pensar algumas vezes que se sua mãe morresse, ele iria desaparecer do bairro em que viveu por quase trinta anos ao lado dela, iria procuraria Leandro e seria FELIZ! Mas agora a Felicidade fugia dele como aquelas pequenas ondas que corriam a se misturarem às águas do Oceano. Do mesmo Oceano que agora guardava o corpo de Leandro... Nem isso a vida lhe deu... ver o seu querido Leandro pela última vez... O Mar ficou com ele...
Grossas lágrimas amargas como a água do Mar, desciam pelo rosto de Raul.
Ficou ali vendo o movimento das ondas, até que a maré começou a subir e uma ondinha atrevida chegou até ele, misturando o sal de suas lágrimas com o das águas do Mar...
Raul levantou-se e começou a caminhar vagarosamente na direção da Ilha Porchat.
Subiu algumas centenas de metros até descortinar o Mar, que batia suas ondas nas pedras da Ilha parecendo dizer: - venn......nhaaaa......venhaaaaaa........
Raul parecia hipnotizado pelo vai e vem das ondas que se tornavam espuma branca como o sorriso de Leandro....
O Sol àquela hora do dia, refletindo nas ondas, ofuscava seus olhos marejados de lágrimas...
Subiu na amurada, sorriu e dizendo
- EU TAMBÉM TE AMO LEANDRO! ESPERE POR MIM...- atirou-se no espaço, foi abraçado pela espuma branca das ondas que se quebravam nas pedras e desapareceu no mar verde, como os olhos de Leandro...