A Gaiola e o Passarinho

A ordem era para ser inversa "O Passarinho e a Gaiola", porém dentro do universo falso realista, pouco resta do que foi um dia.

É sentida de longe a tristeza do pássaro que ama suas asas, que adora descobrir no bico suas fontes de vida e impressionar seus afetos com belos voos e cantos.

Embora o passarinho tenha personalidade, nome, raciocínio e foi moldado com traços de mulher, essa é uma das suas melhores expressões de vida, existir para ser livre, para provar as belezas da natureza, aprender caminhos através de suas asas; mas que asas se a gaiola racional e legalizada o prende deliberadamente?!

Mas em meio a desesperança sempre sobrevive algo, não que a gaiola tenha perdido sua função principal, mas arremessar o passarinho dentro dela certamente, passou a ser um gesto preciso em tempos tão insalubres e minados de armadilhas.

Decerto chora o pássaro, não tem como evitar o desolamento, em cada canto distante uma fotossíntese persiste em sua memória de ave humana feminina. Se o cárcere não fosse obrigatório, ele estaria por ai vivendo, arriscando-se para encantar algumas vezes, para exercer sua missão natural.

O difícil é compreender o porque outros vão, outros se libertam e ele não. Que condição específica pode anestesiar asas e instintos, enquanto o coração derrama dor e solidão?

Talvez esse pássaro esteja aprendendo a maior das lições, e quando for solto, terá além de asas, mais sabedoria para enfrentar as diversidades mundanas, quem sabe até ensinará outros, e expandirá na terra a fortaleza que conquistou vendo tudo quadrado.

Agora sobra imaginação, ele até cansa de se revirar, de viver como expectador dando pitadas de bom humor as vezes, respondendo a própria natureza com ecos de quem clama. Pássaro solto! Esse é o lema, mas também pássaro feliz e consciente, por que pouco valeria suas asas se não soubesse bem conduzi-las e repousá-las no lugar ideal.

E assim segue a doce ave, construindo uma nova liberdade, e essa incrivelmente, não necessita só de asas, nem de campos, vales e ares para satisfazer quem vive.

Quando imposto limite, o princípio de existir se transforma para quebrá-lo com sensatez, porque se acontecer forçosamente, se corrompem grades e também asas, e o que finda é a queda dos dois mundos, dentro e fora da gaiola.

Talvez o que o passarinho não entenda é que ele é um universo dentro de outro universo, e que ele vai continuar existindo mesmo que numa gaiola provisória, cujas chaves estão na sua posse.

Carla Bezerra

Divina Flor
Enviado por Divina Flor em 10/01/2021
Reeditado em 10/01/2021
Código do texto: T7156281
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