A Transformação da Monga
Cláudio e Arnaldo seu primo, que veio passar o círio, receberam uns trocados do seu tio avô, por terem limpado o quintal, mas como dinheiro nas mãos de crianças é vendaval, e curiosidade em moleques é um fenômeno normal. Neles, como não poderia deixar de ser, fora a mola propulsora, para que eles andassem uns metros de casa pensando nas guloseimas da taberna do seu Bené, mas que logo esse desejo iria ser dissipado, quando avistassem alguns colegas correndo para a outra ponta da rua. E que dominados pela curiosidade resolvessem segui-los ao fuzuê forjado. Assim, deparando com aquele grande alvoroço na esquina chegassem mais perto para verem, alguém na indumentária de um palhaço anunciar a inauguração de um Park de diversões, cujas atrações saltavam ao olhos dos inexperientes. Fato bastante comum, na cidade de Belém, em outubro por causa do círio de Nazaré, onde também se encontravam muitos romeiros, oriundos do interior ao redor da cidade, como era o caso de Arnaldo.
De forma, que como os outros, com os olhos brilhando, resolveram em comum acordo guardar o dinheiro para aproveitar o que o Park teria a oferecer. No outro dia, quando as tendas estavam armadas o coração dos dois garotos saltavam de ansiedades. Ajustando-se aos padrões de curiosidade das crianças da época, seguiram pé ante pé, observando cada detalhe das variedades postas a disposições deles... roda gigante, quiromancias, tenda de palhaços, pescaria, argolas, tantas outras e outras fascinações, inclusive a mulher que virava macaco.
- Vira macaco...Essa eu quero ver Arnaldo, dizia Cláudio ao seu primo amigo.
Por segundos, Arnaldo foi tomado de sobressalto, porque um certo medo lhe interrogou a cabeça e ele falou:
- Mas Cláudio se esse macaco ou gorila for de verdade e fugir, o que a gente faz?
- Ora seu tolo , a gente enfrenta como o zorro ou o Durando Kid , ou você tem medo?...falou Cláudio entusiasmado.
-Não, não eu não tenho medo, no interior a gente enfrenta onça...Completou Arnaldo.
Só perguntei pra ver o teu jeito. Pra saber se tu tens medo?...inferiu Cláudio.
E o mesmo Cláudio, sob uma risada sarcástica e aquele ar de fanfarrão, de superior de cidade, natural nos meninos da adolescência, a fim de se firmar disse:
- Égua cara...Tu tá me estranhando. Eu não tenho medo nem da minha sombra, que dirá de um macaquinho à toa. E ambos começaram a sorrir.
O anunciador em frente a barraca da Monga começou a falar abrindo o espetáculo.
- Senhora e senhores, meninos e meninas, que tem nervos de aço, venham pôr a prova aqui a sua coragem, na tenda da mulher que vira macaco.
- Se vocês são realmentes homens intrépidos ou mulheres destemidas, na vanguarda de sua geração venham e entrem para vivenciar a maior experiência de suas vidas. A transformação de uma mulher num macaco, o gorila de aço.
O alarido do anunciador fez sucesso e logo, logo a tenda ficou com uma fila fora dos planos do anunciador. Entretanto ele não se fez de rogado e deu continuidade a sua charlatanice.
A primeira leva da turma de vinte pessoas, onde estavam Claudio e Arnaldo entrou no recinto e se acomodaram em bancos enfileirados um atrás do outro.
Lá dentro os meninos ficaram na primeira fileira e os demais devidamente acomodados foram recebidos pelo anunciador, que descerrava aos olhos de todos uma cortina preta, onde pouco a pouco surgia uma mulher loira e muito bonita para os padrões do local, que causou intenso furor na torcida, que gritava e ria. A partir daí, uma música de suspense tomou conta do ar e ele começou a narrar com empolgação de narrador de futebol a transformação.
Apreensivos os olhos , começaram a se deixar levar pela mente e aos poucos, pêlos grandes e negros começaram a surgir nos braços da loira, horrendos dentes começaram a tomar forma, músculos e uma altura de dois metros sobressaíram. O narrador seguia o seu discurso, até que a transformação se deu por final. Mas, dando seguimento a narração, ênfase a cada palavra o gorilão começou a sacudir a jaula e o povo já apreensivo, a se afastar com os impulsos e gritos daquele gorila, que num jogo de luzes acendendo e apagando, harmonizado com a música de tensão e a fala de temor insinuada pelo narrador dizendo...
- Meu Deus, ele pode arrebentar as barras de ferro, o que faremos?...
E de repente, como um passo de mágica, as barras da grade cederam com a força enlouquecida daquele fantoche, com os gritos histéricos, que fazia a criatura se exaltar e forçar as grades em direção ao público ali presente...
Naquela noite de luar Dona Maria que ali estava não aguentou e deu o seu alarme:
-Meu Deus ele se soltou...Disse isso desmaiando. Arnaldo com o seu primo Cláudio, abandonaram a coragem dos heróis e saíram em disparada, atropelando os bancos e as pessoas, que no meio daquele precipício, gritavam sem controle:
- Salve-se quem puder e derrubando uns aos outros fizeram quem estava do lado de fora assimilar o susto e também sair sem rumo numa procissão de medo, a procura de um lugar seguro das mãos daquele gorila, que vendo toda aquela situação incorporou a performance do animal e se desfez minutos depois, em risos incontroláveis, pelo sucesso naquela noite.
Cláudio amedrontado e até arrependido de ter gastado o seu dinheiro ali encostado num poste refletia, que perdera o seu sapato, rasgou sua calça novinha e se perdeu do seu primo, que mal conhecia a cidade.
Arnaldo, por sua vez, a quase quinhentos metros dali, sem camisa, sem sapato, sem o seu cordão de estimação e sem conseguir se controlar, apenas chorando, desabafando do medo que a sua alma inocente incapaz de perceber, que tudo aquilo era apenas fantasia, era consolado por um casal, que com pena do garoto tentava reconduzi-lo sanidade.