BEBETO E DINORAH
Bebeto e Dinorah
Ana Maruggi
Ela se afastou do beijo iminente me empurrando o ombro, soltou minha mão de maneira ríspida. Respirou alto de modo a me incomodar. Estávamos nos olhando naquele momento, os olhos dela farejavam frases manchadas, o ruído externo não dissipou nosso olhar, mas foi aos poucos esmaecendo, permitindo que se abrisse um silêncio estarrecedor entre nós. “sempre prepotente até quando me olha parece que está vendo algum absurdo talvez se a convidasse para jantar no Degas não sei se quero jantar com quem não come carne não come seres vivos não gosta de nada só come mato as vacas comem mato odeio quando ela aponta o dedo pra mim, vaca...”
— Sabia que um cara como você não chega aos pés de uma mulher como eu? ...
Ele desviou o olhar nesse instante, era ofensivo o que ela dizia. “vaca, prepotente!”.
Tinha até desejado seguir uma vida com Dinorah, talvez até casassem, ele pensou nisso no dia em que ela telefonou no final de tarde dizendo que havia um vazio nela e que somente ele preencheria. “Mentirosa, falsa, dissimulada! ’
Bebeto não demonstrava dor nem raiva, e pensou em revidar a ofensa, mas o silêncio cutucaria Dinorah muito mais que mil palavras, ela odiava ser ignorada. Os olhos dele voltaram-se vagarosamente para ela. Nos lábios, ele deixou um leve sorriso irônico para perturbá-la. Bebeto a conhecia bem.
A moça, imponente, não demonstrou reconhecer ironia naquela expressão, mas ela sabia que havia, e conhecia Bebeto, ele estava ferido, e jamais curaria essa ferida. Ela percebeu que tinha estragado tudo. Tentou sorrir um riso tosco, o melhor que conseguia, mas já não a olhava mais, já estava caminhando em direção oposta sem se voltar para trás. Ela gritou sôfrega:
— Desculpe, Bebê. Sabe como sou grossa, me perdoa, Betinho. Bebbetoooo!
Ele já estava longe para agir, sentia-se bem apesar de tudo. Levantou a cabeça e ampliou os passos, desejou estar bem mais longe dela. Não a veria jamais. Isso lhe parecia bom. Essa sensação de liberdade, essa sensação de que ficaria sem comer verduras para o resto da vida, dava-lhe conforto. Até que virou a esquina e respirou aliviado.
Ela ficou plantada esperando que ele se arrependesse e retornasse, mas não. De repente ela não o via mais, a noite escura já cobria os cantos e as silhuetas à distância. As lágrimas desciam desvairadas pelas faces maquiadas quando um pensamento tomou conta dela. Era um pensamento aturdido e vingativo. Ela sabia que era o fim, mas não queria terminar nada. “Você não pode fazer isso comigo”. Pensou em sumir da vida dele, arranjar outro namorado, qualquer coisa que chamasse a atenção dele. Mas outro pensamento a dominou nesse instante, muito maior e mais forte que o primeiro. Ela o desejava morto para jamais ser feliz com outra mulher. Conferiu a arma na bolsa, nunca tirava de lá o Taurus 38. Não pestanejou, e saiu determinada a passos duros atrás dele. Correu por alguns metros com os pensamentos amontoados, seria um assalto para a polícia. As lágrimas desciam em bicas, as pernas trançavam, mas ela seguia ávida para seu intento. Quando já podia vê-lo, ela parou de correr, não queria que ele a visse. Tirou o casaco branco, a blusa azul-marinho deixava-a mais disfarçada no escuro. “Eu disse que você não merece um mulher como eu, seu idiota!”. Havia um quê de loucura fluindo de dentro dela, que não a faria recuar do plano maléfico. Bebeto morto não a ironizaria jamais. Apertou o passo até chegar bem perto dele. Tirou da bolsa o revólver, apontou para ele, e o chamou:
— Bebeto!
Ele não olhou, e ela gritou com todo ódio que havia dentro dela:
— Bebetoooo!
Ele se virou, e ela deferiu-lhe dois tiros. O corpo dele caiu abruptamente fazendo um estrondo quando chegou ao chão.
Ela olhou arregalada para ele, e gritou:
— Nããããoooo!!!
Não era seu Bebeto. Mas já era tarde demais para esse conflito.