TEREZA
TEREZA
Na época, o Rio de Janeiro abrigava a sede do governo federal. Os grandes acontecimentos da República ali aconteciam. O presidente morava em um palácio no bairro do Catete, na zona sul da cidade.
A praia de Copacabana abrigava muitos turistas, atraídos pela praia famosa e pelas atrações artísticas que lá se apresentavam. O cassino da Urca, também na zona sul, trazia grandes cantores e atores de fama internacional. A cidade fazia jus ao título de Cidade Maravilhosa” Mesmo com a proibição do jogo e o consequente fechamento dos cassinos, a princesinha do mar manteve durante longo tempo o seu charme e conquistou turistas, graças à qualidade dos seus hotéis, que proporcionavam hospedagem elogiável, além da alegria e da irreverência do povo carioca.
É nesse cenário, entre a efervescência cultural e política da zona sul e o conservadorismo da zona norte do Rio de Janeiro, que se desenvolve nossa história. Tereza, filha de Arlete e Sérgio, com seu irmão Pedro, teve uma infância normal, embora sem muito luxo. Perdeu seu pai, funcionário público, muito cedo, acometido de uma doença pulmonar devastadora.
Sua mãe assumiu o comando da casa e procurou incutir nos filhos as noções de responsabilidade e de honradez, que ela própria recebera dos pais. Talvez pelos ensinamentos recebidos, as crianças tenham se dedicado com afinco aos estudos. Viviam modestamente em Vila Isabel, bairro tradicional da zona norte, com princípios bem rígidos. Felizmente, sua residência era de propriedade da família, o que trouxe certa tranquilidade. A despeito disso, por ser muito conhecida e respeitada na localidade, e carente de recursos financeiros, dispôs-se a costurar para seu sustento.
Tereza chegou afinal à adolescência e mediante seus esforços conseguiu ingressar no Instituto de Educação, modelar educandário, que preparava as futuras professoras. Era época dos bailinhos, em festas de aniversários. Apesar de não ter uma situação financeira muito folgada, a ela nunca faltou um vestidinho feito pela própria mãe, para frequentar as festas das tardes de domingo. Como sua turma tinha muitas alunas, os convites eram frequentes.
Foi numa dessas reuniões dominicais, que ela conheceu Bernardo, aluno do Colégio Militar. Alto e bonito, chamou a atenção de Tereza, a quem convidou para dançar. Ela, receosa, hesitou em aceitar o seu convite, mas acabou aquiescendo.
Os alunos do Colégio Militar eram disputados pelas normalistas, devido ao fascínio que suas fardas exerciam sobre as jovens da época. Tereza, entretanto, os via como rapazes namoradeiros, que não pretendiam relacionamentos sérios. Enquanto dançavam, ela vivia um dilema. Interessava-se pelo rapaz, mas temia suas intenções.
No intervalo entre as músicas, não se separaram. Bernardo interessou-se pelas atividades de Tereza e conversaram bastante. Ele parecia um rapaz sensato e amável, sem qualquer resquício de vaidade ou de afetação. Simples que era, Tereza ficou encantada.
-Estou muito feliz de ter vindo. Só assim pude conhecer uma pessoa como você-, disse ele.
-Gostei de conhecer você também-, sussurrou timidamente.
Voltaram a dançar muitas vezes, para alegria de Tereza, agora já mais confiante. Falaram sobre suas famílias e os costumes de cada um. Constataram as diferenças, mas não se importaram. Ele vivia num mundo de sonhos e ela enfrentava a dura realidade diária. Ao final da tarde, despediram-se com um casto beijo e trocaram telefones, como era usual na época.
Os dias se passaram e não se ligaram. As provas haviam começado e teriam de se dedicar aos estudos. As festinhas eram raríssimas. Um dia, entretanto, após o período de provas, enquanto Tereza lia um romance, o telefone tocou. Era Bernardo.
-Desculpe-me, mas estive concentrado nos exames finais e não lhe retornei.
-Também estudei bastante, mas valeu a pena, pois tive bom aproveitamento. Só resta um ano agora.
-Por sorte, vou cursar o último período. Depois, posso pensar em me casar.
Ela sorriu e respondeu: - já tem pretendente?
-Vejo que você não acredita nas minhas intenções.
-Difícil acreditar. Você tão jovem e bonito já pensando em se casar?
-O amor não tem idade nem hora. A propósito, gostaria de vê-la ainda hoje.
-Prometi fazer companhia a minha mãe. Pag. 2
-Está bem. Vou a sua casa e ambos fazemos companhia. Preciso matar a saudade.
-Não sei se mamãe vai concordar.
-Deixe-me falar com ela.
-Está doido.
-Irei de qualquer modo-, insistiu ele.
-Então venha, não chegue tarde-, falou Tereza com alegria incontida.
Perfumado, bem trajado e oferecendo flores chegou Bernardo, encantando Dona Arlete. Tereza havia tido o cuidado de arrumar a casa, quase sempre ocupada por tecidos e por linhas espalhadas. Preparara um lanche saboroso para recebê-lo. Feliz e muito simpático, o moço conversou bastante e convidou-as para um jantar na sua casa na Tijuca. Precisavam conhecer seus pais. Ainda não combinara com sua mãe, mas avisaria a data com antecedência.
Entusiasmado, naquela mesma noite consultou sua mãe Marlene, que estranhou o seu pedido. Achou que ele estava sendo precipitado, mas não queria desgostar o filho único. Como toda mãe, à época, preocupava-se com a carreira dele; e um namoro sério agora poderia influenciar em seus estudos. Ademais, não conhecia a família da moça e não sabia se pertencia a uma classe social compatível com a dela.
-Vou conversar com seu pai.
Seu pai era oficial do Exército e muito respeitado na sociedade de então. Evandro, apesar de homem de rígidos costumes, haveria de compreendê-lo.
-Ele vai adorar Tereza, tenho certeza.
Consultado, seu pai não colocou obstáculos.
Marlene, a contragosto, e pressionada pelo filho, marcou finalmente o jantar para a noite de sábado, da semana seguinte. Precisava de tempo para preparar a reunião e a própria residência em que moravam. Era uma casa bem grande, situada em lugar aprazível da cidade, o Alto da Boa Vista. Fora herdada do sogro, rico fazendeiro e cafeicultor da zona serrana do Estado. Como estava acostumada a receber amigos influentes, não tinha dificuldade em organizar um encontro íntimo de duas famílias.
Bernardo, tão logo recebeu a concordância da mãe, telefonou para dar ciência a Tereza. O casal de namorados estava ansioso e Arlete preocupada. Não sabia o que lhe estaria reservado naquele jantar. (3)
O dia do encontro chegou. Bernardo não conteve a ansiedade e foi buscá-las no carro do pai. Ao chegarem à casa, mãe e filha se extasiaram com o que viram. Diante do palacete, um jardim florido emoldurava a entrada em arco, pintada de branco, como todo o prédio. Uma enorme porta de madeira, cuidadosamente envernizada, abria-se para um hall, lindamente decorado. Quadros emolduravam as paredes da ampla sala.
Arlete gelou. Aquele não era seu ambiente. Temeu que sua filha fosse considerada uma mera interesseira, que pretendia um noivo rico. Olhou para sua ingênua filha e sofreu por ela.
O casal as recebeu agradavelmente, amenizando um pouco a apreensão que transtornava Arlete. Após as apresentações e a uma conversa informal, foi servido o jantar. Apesar da quantidade de copos e de talheres diferentes, as convidadas foram auxiliadas por Bernardo, que se antecipava a todos no uso deles, facilitando as convidadas. Um serviçal encarregava-se de oferecer a comida e as bebidas. Arlete não conseguiu uma conversa fluente com a mãe de Bernardo, cujos interesses e assuntos, se confrontavam com os dela, modesta costureira.
Voltou para casa em silêncio. Não acreditava que aquela mulher requintada e de interesses tão distantes dos seus, pudesse concordar com o namoro entre seus filhos. Tensa e pensativa, não comentou nada com Tereza, que parecia não perceber as dificuldades que teria.
Enquanto isso, na mansão dos Guimarães, Marlene também preocupada com a situação, mas sem querer magoar o filho, que se mostrava apaixonado, começou a arquitetar um plano para impedir aquela relação. Confiou ao marido as suas preocupações, que não lhe deu muita atenção.
-Deixe de se apoquentar. A menina me pareceu simples, mas muito educada e demonstrou gostar muito do nosso filho.
Marlene não podia admitir que uma moça pobre, pudesse ter outros sentimentos, que não fosse o interesse financeiro. Não entendia que seu filho tinha outros atributos, além da riqueza familiar. Além disso, não acreditava que nenhuma outra mulher pudesse ser suficientemente boa para ele. Pag. 4
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Os dias se passaram e o casal de namorados estava cada vez mais unido. Quase todos os dias, Bernardo esperava por Tereza na porta do colégio e lanchavam juntos, alheios à preocupação de suas mães.
Gabriela, linda loirinha de olhos azuis da Tijuca, sempre nutriu um certo interesse por Bernardo. Um pouco leviana para os padrões da época, tivera diversos namorados e não era levada a sério por ele, que a considerava apenas divertida. Assim, estranhou quando recebeu um telefonema de Marlene, convidando-a para tomar um chá em sua mansão. Estava desconfiada, mas o chá importado e a qualidade dos biscoitos finos que serviam, fizeram-na aceitar o convite.
Ao chegar, foi recebida amigavelmente por Marlene. Conversaram amenidades e, depois, em tom confidencial, a mãe de Bernardo solicitou um favor:
-Sei que você gosta de meu filho. Ele está passando por um momento de perturbação e precisa de um pouco de diversão e de descontração.
-Sim, aonde eu entro nisso?
-Quero que o convide para sair, para um cinema ou um barzinho.
Gabriela percebeu de pronto as intenções de Marlene. Sabia do namoro dele com Tereza e tinha certeza de que sua mãe não aceitava esse relacionamento. De qual maneira, se pudesse se divertir com um rapaz bonito como ele, por que não? Perguntou se podia aguardar Bernardo na pequena piscina.
Ele nadava todos os dias à tarde em sua própria casa. Naquele dia, avistou Gabriela na borda em trajes de banho.
-O que está fazendo aqui?
-Aguardando você. Sua mãe disse que você precisa de distração. Quem sabe não podemos nos divertir dentro d'água-,finalizou maliciosamente.
-Gabi, gosto de você, mas sabe que eu estou namorando seriamente Tereza e não seria bom se ela soubesse de suas intenções.
-Não vejo nada de mais.
-Por favor, Gabriela.
-Ninguém pode dizer que eu não tentei.
Indignado com a atitude da mãe, desistiu do seu exercício, enquanto Gabriela se trocava para ir embora. Imediatamente, Bernardo procurou Marlene para exigir explicações. Não se conformava. Deixou claro que amava sua namorada e casaria com ela, logo que pudesse financeiramente se manter.
Abalada com a afirmativa do filho, Marlene não imaginava que um outro acontecimento haveria de traumatizá-la ainda mais. Depois da conversa com Bernardo, se sentiu insegura e procurou um táxi que a levasse até seu marido. Ao chegar nas imediações do seu trabalho, viu através da janela de vidro de um barzinho, a figura de Evandro em companhia de uma bonita jovem, em atitude amorosa. Entrou, encaminhou-se até a mesa, deixou que eles a vissem e saiu quase correndo. Sentia-se muito mal na volta ao seu lar. Julgava-se traída pelo filho e pelo marido. Instalou-se no seu quarto, de onde não saía e não falou nem ouviu mais ninguém. Vivia um estado de tristeza que começou a preocupar a família.
Bernardo, embora irritado com as atitudes da mãe, consultou Tereza de como deveria agir para ajudá-la. Havia conversado com seu pai, que lhe confessou ter tido uma forte atração pela jovem em questão, mas asseverou que não chegou a ter nenhuma relação com a moça, flagrado que fora.
-Querido, o que aconteceu não tem mais importância. É imperioso que cuidemos dela. Vamos consultar minha mãe. Ela sempre tem uma solução para tudo.
Realmente, Arlete era uma mulher vivida que teve de enfrentar uma viuvez prematura, com dois filhos para criar e educar. Não era formada, mas possuía uma sabedoria de vida extraordinária. Procurada, concordou com a filha, ao entender que deveriam priorizar o atendimento a Marlene.
-Conheço alguém que poderá ajudá-la bastante; é preciso, entretanto, que você e seu pai concordem que ela frequente sua casa. Além dos conhecimentos de enfermagem que possui, ela tem uma luz própria e um entendimento das coisas extraordinário. Porém, é indispensável que sua mãe não saiba que Marisa é indicada por mim, para evitar rejeições. O restante pode deixar por conta dela. (6)
Assim, foi feito. Pensando ser indicação do seu médico, Marlene não se opôs à presença de uma nova enfermeira. Pouco a pouco, Marisa foi ganhando a confiança da paciente e gradativamente foi-lhe passando ensinamentos de ordem espiritual. Fez ver que a enfermidade era uma prova e que deveríamos encará-la como uma oportunidade de avaliarmos nossos erros e, eventualmente, consertá-los. Cuidadosamente, incitou-a reatar com seu marido que sempre lhe dedicou amor e atenção.
-Uma simples atração física, não seria motivo para desfazer uma relação calcada no amor-, dizia ela.
Marlene, aos poucos, foi melhorando e passou a encarar a vida de uma maneira mais séria, sem as futilidades de outrora. Estava muito mais forte e sentia-se bem.
O tempo passou, o casal de namorados formou-se e já estava trabalhando. Ele, tornou-se engenheiro e estava bem empregado. Ela lecionava em escola pública. Quebrados os preconceitos e ainda muito apaixonados, marcaram o casamento e fizeram uma festa simples como eram suas vidas.
No altar da Igreja dos Capuchinhos, repleta de convidados, esperando a noiva, lindamente trajada e atrasada como soe acontecer, felizes estavam, além do ansioso noivo, Arlete, Marlene e Evandro. Pag. 7