MUDANÇAS

MUDANÇAS

Sentado confortavelmente na varanda de casa, admirava a natureza. O sol já estava se pondo, escondendo-se por trás da serra, sem deixar que seus últimos raios brilhassem no horizonte. Por sua feita, a lua linda e tímida ameaçava trazer a noite e com ela suas estrelas. As teimosas nuvens se preparavam para adormecer num vale aconchegado.

Saboreando meu uísque, um dos hábitos adquiridos no passado, o fumo já havia abandonado desde cedo, pensava em como acertara na minha escolha. Na metrópole onde fui criado, era muito difícil ter momentos de contemplação como esses. Graças aos altos edifícios e à poluição, não se via o céu na sua plenitude. Nossos olhos estavam constantemente voltados para o trânsito de carros e de pessoas, sem falar da preocupação com a insegurança e o pequeno espaço destinado aos pedestres nas calçadas, sempre ocupadas por camelôs e pedintes.

A capital me trazia inquietação, Minha vida se resumia a lecionar Literatura e a conviver com poucos colegas. Depois de uma semana de trabalho, era comum encontrar-me com o Prof. Joel, amigo de infância e colega de profissão, para beber e papear sobre a vida e a família. Certa noite, Joel me confidenciou que recebera um convite para trabalhar numa cidade do interior, com substancial aumento de salário. Entretanto, tinha problemas com a mulher e três filhos, que se recusavam a abandonar a casa, construída com tanto esforço e tanto zelo.

Lamentei por ele, pois entendia que seria uma boa oportunidade de ter uma melhor qualidade de vida.

Os dias passaram e não pensei mais no assunto. Certa noite, meu telefone toca, quando já me preparava para dormir depois de assistir ao jornal da TV, repleto de más notícias. Era Joel, Havia recusado o convite para se transferir e indicara o meu nome para substituí-lo. Fiquei mudo, sem saber o que dizer.

-Fiz mal? Pareceu-me que você havia gostado da ideia.

-Não sei. Talvez. A ideia era boa para você.

-Pense bem. O salário é bom e as condições de trabalho excelentes. Lamento não poder ir.

-Amanhã conversaremos, respondi.

Nossa breve conversa foi o suficiente para não me deixar dormir. É tentador, mas uma transferência envolve tantas coisas. Haverá muito para resolver. E a adaptação, seria fácil? Seria bem recebido? Muitas indagações, poucas respostas. Procurei esquecer e deixar para o dia seguinte a solução.

Pela manhã, no café, decidi-me por enfrentar todos os desafios em busca de uma vida melhor. As tratativas foram rápidas, com a compreensão da diretoria do Colégio e, em pouco tempo, estava pronto para o futuro. Tinha um currículo muito bom e não foi difícil ter boa acolhida no meu novo emprego, Encantei-me com as facilidades do lugar e rapidamente consegui uma bela casa para morar.

A noite já se havia instalado, tomei meu último gole de bebida e me recolhi. O recesso escolar acabara e, de manhã, mais um período de aulas recomeçaria. Sentia-me bem, trabalhava com o que gostava, tinha uma casa boa, uma vida tranquila e podia conviver com a natureza; porém, algo me faltava, talvez alguém com quem pudesse compartilhar tudo isso.

Madruguei na Escola. Estava ávido por saber das novidades dos colegas, por rever os alunos antigos e por conhecer os novos. Estávamos conversando alegremente na sala de professores, quando, acompanhada do diretor, entrou uma linda e desconhecida mulher. Nossa nova colega Helena, vinda do exterior para lecionar Inglês, disse ele. Muito alegre e segura de si, ganhou a simpatia de todos, especialmente a minha.

De imediato, propus-me a levá-la a conhecer a cidade e, quem sabe, conseguir uma casa para ela residir. Afinal, já conhecia muito bem o lugar. Sorrindo da minha presteza, disse-me que nascera na localidade e que sua família possuía uma propriedade onde tencionava morar. Meus planos para uma aproximação não haviam dado certo. Desconcertado, coloquei-me a sua disposição para qualquer outra eventualidade.

Depois desse dia, pouco a vi. Nossos caminhos não se cruzavam e minhas segundas intenções para uma abordagem tinham ficado de lado. Estava concentrado no trabalho, na avaliação dos novos estudantes e na preparação das aulas. Certa noite, recebi um telefonema e era ela. Sua linda voz não me deixou dúvidas. Convidava-me para jantar na sua casa no próximo sábado.. Enchi-me de esperanças. Parecia um encontro.

No dia combinado, vesti a minha melhor roupa, perfumei-me e comprei um vinho para levar.

-Desculpe-me. Cheguei um pouco cedo.

-Sim, mas foi ótimo. Podemos conversar antes do jantar.

Contou-me sobre sua vida. Seus pais deixaram a cidade há duas décadas, levando-os, ela e o irmão, ainda crianças, para viver no exterior. Na Suécia, mais precisamente. Lá fez toda sua formação acadêmica e especializou-se na língua inglesa. A sua origem, porém, nunca foi esquecida. Embora de família rica, voltara para o Brasil, preocupada com a desigualdade social aqui existente. Estava em busca de alguém que, com ela, pudesse levar a frente um projeto de assistência às famílias carentes, especialmente às crianças.

Faremos dessas crianças cidadãos, oferecendo oportunidade de estudo e de trabalho. Só o Amor, a Educação e o Trabalho serão instrumentos para o nosso objetivo. Discorreu sobre o seu planejamento, com entusiasmo e convicção.

-¨Notei o carinho e a dedicação que oferece aos alunos. Eu preciso de vocꨔ Naquele momento, eu a considerei mais linda ainda. Eu admirava aquela mulher e estava disposto a acompanhá-la.

Foi muito árduo o aprendizado, mas muito gratificante. Com poucos educandos, a princípio; hoje, abrigamos, cuidamos e formamos mais de duzentos. Empresários da região, professores, médicos, assistentes sociais e psicólogos ajudam a nossa Instituição, dedicando voluntariamente parte do seu tempo. Ex assistidos também trabalham conosco. Criamos uma grande família, dedicada a preparar, a educar, a elevar a autoestima e a resgatar a cidadania dessas crianças.

A admiração por minha colega se transformou em amor. O convívio diário, os objetivos comuns e as afinidades nos uniram para sempre. Hoje, sabemos que nosso trabalho nos possibilitou encarar a Vida de maneira participativa e não apenas contemplativa. As mudanças me tornaram uma pessoa feliz e realizada.

-(abc das LETRAS)

ABC DAS LETRAS
Enviado por ABC DAS LETRAS em 04/01/2021
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