LAVOISIER NA COZINHA
Pedi uma carne assada com sabor especial; pedi uma torta salgada, que eu chamo de ‘cebolorum’; pedi bolinhos fritos (qualquer um mataria meu desejo...); pedi uma sobremesa cremosa, um pudim.
Esqueci termos acertado o dia de descongelar geladeira e freezer, fiscalizar faltas nas prateleiras e nos três pequenos armários suspensos. Tempo de comermos sobras no estilo ‘tudo-junto-e-misturado’. Fazer depois a infalível lista do supermercado. Confesso: não exatamente esqueci! Não é trabalho tão cansativo assim e minha mulher prefere fazer sozinha. Minha função neste dia é, mais tarde... levar o garfo ou a colher à boca. Fui para a rua – posto de gasolina, papelaria, roupa masculina, duas caixas de sorvete para agradar...
Terrina cheirosíssima, onde encontrei os mais variados tipos de carne de gado, pedaços pequenos, pés de galinha (houve época de se comer ‘mocotó avícola”...), deu para notar salmão e camarões, num molho tão delicioso que é impossível de descrever – só de ver a garrafa de vinho tinto sobre a pia, “adivinhei” a receita: carnes mais duras em vermelha piscina olímpica, as mais macias ao final. Garanto que o arroz não viera direto de China ou Japão para a nossa casa, mas percebi vago sabor de leite de coco. A sobremesa, em marrom claro, sabor entre conhecido e de enigma. Na infância, a mãe improvisava sopa adocicada de leite, café e pão dormido (de véspera), antes da escola – garota saía de casa alimentadíssima. Ela ferveu leite com café solúvel e açúcar, juntou gotas de baunilha, nozes moídas e torradas de pão integral ‘esquecidas’ na geladeira, mexeu ao fogo, dissolveu tudo e ainda me desafiou com “pudim quente”. Os bolinhos fritos (antigões, “daquele tempo”...) foram servidos no lanche da tarde. Feijão preto, sobras picadas daquelas carnes todas e um pouquinho de couve refogada. Nada moderno, ninguém “inventou” nada neste século XXI. Longa e comprovada estória familiar: antepassado nascido em 1911, madrasta com idade para ser mãe dele já aprendera com a avó os tais bolinhos de feijoada que, numa conta cronológica bem feitinha, talvez tenham sido distração para Dom João VI, entre um franguinho e outro. O ‘cebolorum’ (estoque relativamente pequeno antes do mercado) vai ser o almoço de amanhã, domingo, novidade é que desta vez a torta grande será levemente caramelizada com um polvilhamento de açúcar ao fritar o recheio. Que recheio extravagante será este? Eu que aguarde a surpresa lavoisieriana.............................
Sem querer, lembrei CARLITOS comendo, faminto e inconsciente, a bota como galinha assada e os cadarços como espaguete.
Muito estoque zeradão. A lista do mercado esta imensa!
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HQ – A CABEÇA È A ILHA, de André Danmer – 3 quadrinhos – Personagem sozinho ante a máquina de escrever: “Pela lógica da TV... somente pessoas muito bonitas... sabem cozinhar bem.”
HQ – URBANO, O APOSENTADO, de A. Silvério - 3 quadrinhos – No chão da pracinha, uma lâmpada do tempo de Aladim... Ele faz cara de ponto de interrogação, pega-esfrega, aparece o gigante, braços cruzados à disposição de pedidos ou ordens incríveis: “Vamos procurar panetones em oferta nos supermercados?”
HQ – O MAGO DE ID, de Johnny Hart – Criado em 1964, o Mago é um engraçado feiticeiro de um reino esquecido que serve a um cruel e ao mesmo tempo engraçado rei baixinho: piada em tempo de crise econômica (país onde a carapuça servir...) – 5 quadrinhos – Mago, trazendo um papel: “Uma petição dos cidadãos, Alteza!” Rei, no trono: “O que é desta vez?” Mago: “Estão reclamando da falta de produtos nos mercados.” Rei: “Que produtos?” Mago: “Óleo, arroz, sal, gêneros de primeira...” Rei: “Isso é grave...” Mago: “Eles exigem a volta dos produtos às prateleiras.” Rei: “Mesmo que não possam comprar?” Mago: “Parece que sim.” Rei desmaia.
NOTA DO AUTOR:
Leiam meu conto SOPA DE ALFACE e conhecerão a fritadeira dos tais bolinhos pretos, hoje mais do que centenários.
F I M