Um Estranho Conto de Natal
Almir deu um novo golpe com o facão e esteve prestes a cair exausto. O calor era insuportável. Pensou em descansar, mas não havia completado nem a metade do serviço. Havia cortado apenas sete toneladas de cana-de-açúcar, mas deveria cortar vinte... Ou então, seu salário seria insuficiente. Sem pão, sem feijão, sem mistura, sem presente de Natal... Esse último não teria de qualquer jeito, pensou Almir. Nesse momento, ele lembrou-se de Dorinha, sua filha de seis anos:
— Pai, o que eu vou ganhar de Natal?
— Como assim fia?
— Edmilson falou que o Papai Noel trouxe vários presentes para ele no ano passado, e dessa vez vai trazer ainda mais brinquedos.
— Fia... O Edmilson é fio da Matilde, patroa da sua mãe... — Almir pensou em dizer que Edmilson era rico e por isso ganhava presentes, mas teve medo de magoar sua filha. Preferiu não responder.
Pesaroso, Almir continuou o trabalho. Era duro para ele pensar o que Marta, sua esposa, já havia passado trabalhando como empregada na casa dos patrões. Ganhava um salário miserável, mas pelo menos não passava fome. Dorinha ficava junto com a mãe, mas o casal de patrões, Mário e Mathilde, a tratavam como uma empregadinha. Um dia Almir encontrou Dorinha chorando escondida atrás de um biombo.
— O que foi fia?
— Papai, a patroa disse que criança pobre não pode brincar com os fio de rico, disse que eu só tava ali pra trabaiá!
— Mas você só tem seis ano, fia, não pode trabaiá...
Nesse momento, Almir foi como que dominado por uma dor invencível, seu braço que impulsionava o facão contra as canas-de-açúcar foi o primeiro a cair, em seguida seu corpo inteiro tombou no chão.
Um homem o acudiu, e Almir se lembrará para sempre do sorriso resplandecente dele.
— Você está muito cansado, Almir, deixe que eu termino este serviço para você! — disse o homem.
— Você trabalha aqui no engenho? – indagou Almir — Nunca vi você.
— Trabalhei aqui há muito tempo... e agora voltei.
— Quando?
— A cento e cinquenta anos atrás.
Almir ficou embasbacado com a resposta. Não sabia ao certo quanto era “cento e cinquenta anos”, mas lhe parecia muito tempo. A pele negra do homem fazia-lhe lembrar de algo, mas não sabia bem o quê.
O homem pegou o fação e começou a cortar a cana... Em pouco tempo ele havia terminado o serviço de Almir.
— Eu preciso lhe agradecer, — disse Almir — amanhã farei a sua parte do serviço...
— Não será necessário, você já trabalhou muito e será recompensado. — disse o homem, sorrindo bonacheiramente.
Quando Almir pensou em insistir o homem já havia desaparecido.
Almir, então, preparou-se para retornar ao lar. Foi quando Marilene, uma mulher que havia sido boia-fria e agora era patroa de Almir no engenho, deu-lhe um comunicado:
— Almir, a usina tem um novo dono. Ele disse que vai melhorar as condições dos trabalhadores. Vai pagar um salário justo. Como consequência, você vai ganhar cinco vezes mais... Ah... E sua jornada vai diminuir de catorze para seis horas diárias... Tome aqui um adiantamento.
Almir mau acreditava no que estava ouvindo... O dinheiro que ela lhe oferecia era mais do que ele já tinha visto em toda a sua vida... Pensou em recusar, mas Marilene disse que era só uma parte de seu salário justo.
— Ah... E amanhã você está de folga... Amanhã é Natal — concluiu Marilene.
Amanhã é Natal... Almir jamais havia folgado no Natal. Lembrou-se de Dorinha, “pai, o que eu vou ganhar de Natal?”.
— O que você quer ganhar minha fia? — perguntou Almir, já de volta ao lar.
— Livros.
— O quê?... Mas você sabe ler?
— Não, mas posso aprender.
Todos os boias-frias da usina se reuniram, junto com suas famílias, para comemorar esse Natal. Nenhum deles, homens e mulheres, havia visto o homem negro que ajudou Almir a terminar o serviço. Todos estavam felizes com as novas condições de vida e de trabalho.
Cinco anos se passaram daquele Natal, e Dorinha, agora com onze anos, ensina seu pai a ler.
— Aqui, papai, leia aqui..
Almir pega o livro desajeitadamente e lê:
— Jesus, chamando a si um menino, o colocou no meio deles e respondeu: "Digo-vos, em verdade, que, se não vos converterdes e tornardes quais crianças, não entrareis no reino dos céus."
Almir fechou o livro.
Dorinha, que a cinco anos atrás não frequentava a escola, agora sonhava em ser professora. Marta não precisava mais trabalhar na casa dos patrões que a maltratavam, pois era uma cozinheira respeitada.
Todos já tinham ido dormir quando Almir ouviu uma batida na porta, e ele não abriria se não sentisse que o visitante era alguém muito especial. Ao abrir a porta, grande foi sua felicidade:
— Olá, Almir — disse o homem que há cinco anos o ajudara a terminar o trabalho e fora o prenúncio de tudo de maravilhoso que vinha acontecendo desde então.
— Eu preciso lhe agradecer... — balbuciou Almir, emocionado.
— A verdade é que eu só pude lhe ajudar graças ao visitante que veio comigo hoje.
Mais alguém apareceu na porta:
— Boa noite, Almir, você sabe quem eu sou? — perguntou um homem de cabelos compridos e barbudo.
Almir não conteve as lágrimas de profunda emoção:
— Sim... Você é Jesus.