Diálogo de Natal
Já era tarde da noite quando o menino, escondido atrás da cortina da sala, ouviu um barulho na janela. Alguém a estava abrindo. Por uma fresta, ele observou a figura de roupa vermelha com detalhes brancos e um gorro na cabeça entrar. Era ele! Tinha valido a pena esperar. Ele saiu de detrás da cortina.
— Papai Noel! Tava te esperando e… – o protagonista de roupa vermelha levou um baita susto e caiu sobre o saco de brinquedos.
— Ai, meu coração!! O que que tu tá fazendo acordado, pentelho? Não conhece as regras?
— Ei, você não é o Papai Noel!
— E você não é o Peter Pan!
— Você é o… Coelhinho da Páscoa?! Cadê o Papai Noel?
— Cê é louco, pivete? O velho é do grupo de risco! Tem muito mais de sessenta, tem diabetes tipo dois, é hipertenso, cardíaco e usa marcapasso! Ano passado, quem fez as entregas já foi o dublê. O velho só apareceu para as fotos nos eventos. A propósito, por que está sem máscara?
— Ouxe… você também tá!!
— Ahh… é que… ah, deve ter caído na chaminé!
— Você entrou pela janela, mentiroso! Além disso, estamos no Rio de Janeiro. Por que diabos teríamos uma chaminé na sala de casa?!
— Tá, moleque chato do cacete… ou põe a máscara ou não vai ganhar presente nenhum. Minha mulher tá grávida e tenho dezoito filhos em casa. Não quero pegar essa merda. Ainda mais aqui no Rio onde não tem respiradores suficientes nos hospitais de campanha. Aliás, sei lá o que fizeram com o dinheiro dos hospitais.
— Ei, que papo é esse? Meu pai votou naquele cara e eu o ouvi dizendo que estava se empenhando! Até mandou fechar tudo por aqui!
— Afff… Tu é daqueles que acreditam que coelho põe ovos de chocolate mesmo, né? Aposto que nem sabe o nome do governador que substituiu esse em quem teu pai votou.
— Ah, ele foi substituído? Bem... espera... sou criança, mané! Não tenho obrigação de saber dessas coisas. Ainda brinco com os bonecos do xerife Woody e o Buzz Lightyear!
— Jura?! Eu também tenho os dois e… – pigarro – Quer dizer… eu TINHA e BRINCAVA também, mas isso já faz muito tempo.
O coelho enrubesceu; o garoto ignorou. Tinha uma pergunta importante a fazer.
— E por que é você quem está fazendo isso este ano? Entregando os presentes? – o garoto tinha uma das mãos no queixo.
— Ah, isso é porque disseram que não trabalhei na Páscoa! E eu lá tive culpa das Lojas Americanas não terem vendido os ovos e devolvido tudo? Eu hein! Agora chega de papo furado, garoto. Toma teu presente porque ainda tenho muito a fazer. – o coelho entregou algo ao menino.
— Ei, não foi isso que eu pedi! Cadê meu PlayStation 5?
— Cê é louco?! Já viu o preço daquilo? É cinco Barão, meu filho! Pede pro teu pai!
Indignado e sem a mínima vontade, o menino abre a caixa de aparência suspeita do aparelho com a inscrição: Polystation V.
— Esse é muito melhor, garoto! Já vem com 9999 jogos!
— Ei, tá quebrado!
— Não reclama, guri! Veio da China! Não é nada que uma colinha de secagem rápida não resolva. Tô indo nessa...
O Coelho saiu pela janela. Instantes depois, ouviu-se o som de alguns disparos logo após o ranger da janela da casa ao lado.
— Xiiii… esqueci de avisar que o vizinho é policial!