A Fábula Do Pescador
O mar estava bonançoso, o pescador ficou imóvel. Olhou para a água que
rondava seu pequeno barco de madeira. Arrancou com força o seu colar que
jazia uma pedra cintilante em seu centro. A pedra era dourada, mas não era
ouro. Brilhava, mas não era luz. Era pesada, mas fácil de carregar. O mar
continuou imperturbável, como se esperasse um movimento do pescador. O sol,
já se pondo, deixava pequenas listras de luz pelo céu, que se misturava entre as
águas calmas do mar. O pescador olhou em volta, segurando seu amuleto. Uma
canção começou. O pescador, já cansado e esgotado da aventura, fechou os
olhos e começou a desejar que aquilo tudo fosse apenas um sonho. Ficou
parado, junto ao mar calmo. Os olhos fechados, a mente desperta, o coração
pulsante. Pensara na família, nos amigos, em seus animais, em todos. A canção
continuou. A voz que a cantava era doce, brilhante, como uma bela fruta recém
descoberta. O pescador, enfim, abriu os olhos. Olhou atentamente os arredores.
O mar parecia o mesmo, calmo e sem nenhum tipo de vida lá em baixo, apenas
a escuridão. O velho olhou para a água e imaginou o seu fundo. Um fundo sem
luz, totalmente envolto por trevas. O sol se foi, a lua veio, lhe proporcionando
um pouco de luz lunar. O pescador se sentiu aliviado, soltou o amuleto e o
colocou novamente no pescoço. “Por que estou aqui, diabos”. Pensou consigo
mesmo. Tentou colocar os pensamentos em dias. Analisou seus mantimentos:
alguns biscoitos, água, rum, e algumas maças podres. O mar não exibia nenhum
tipo de movimento. O tempo passava devagar, sem batidas de ponto ou sem
destino aparente. Ali o tempo era apenas ele mesmo, e assim, não passava nem
ficava, apenas era. O pescador se sentou do lado inferior de seu barco de
madeira, o mesmo rangeu, como se compartilhasse da velhice do pescador. O
velho percebeu que ainda tinha um cigarro em seu bolso. Pegou, ascendeu e o
fumou. Tragou lentamente a fumaça, seus pulmões velhos, sem cor, sem animo,
tentaram ao máximo. O pescador tossiu, mas se sentiu bem. Observou a lua, sua
luz, sua majestade. Fez uma reverencia para ela, como se fosse um velho amigo,
um velho companheiro. A lua, como bondosa e educada, retribuiu dando uma
piscada de luz para o rumo do barco, que se iluminou. Bondosa ela era. O
pescador deu um sorriso e assim pode dormir em paz. A noite passou e o
pescador foi acordado com a música novamente. O lugar era o mesmo. Mesma
água, mesma visão, mesmo sol. Mas, à música era diferente. Consistia da
mesma voz, mas não era o mesmo ritmo ou letra. Era uma língua diferente, era
algo divino. O pescador levou a mão novamente para o seu colar de luz
misteriosa, porém antes de arrancá-lo ficou triste, lembrara novamente de sua
família, mais especificamente de seu filho Halen. Lembrou de seu sorriso, de
suas brincadeiras, em como pegava a espada, em como lutara bravamente em
guerras inúteis, lembrara de sua morte, lembrara de sua culpa. O pescador então
deixou que sua mente fosse banhada pela música. Mais e mais recordações
vieram à tona, emergiram da terra solida de sua mente mais perdida. Ele
lembrara o porquê viajou para tão longe, onde ninguém pisou. Lembrara o
porquê estava ali, tão longe de casa, tão longe de sua esposa. A dor era grande.
A música ficara mais alta e inundara sua alma. O pescador, estava se afogando
em suas respectivas lembranças. Ele caíra em seu próprio abismo, em sua
própria escuridão. Ele gritou, pedindo ajuda a lua, mas ela estava longe.
Suplicou ao sol, mas o mesmo o ignorou. Sempre teve inveja do pescador por
conseguir ter a compaixão de sua amada lua. O pescador então, quase sem
folego, tomado por lembranças amargas, suplicou uma última vez. Suplicou
para a voz que o seguira até aquele lugar. Gritou por ajuda. Prometeu riquezas,
prometeu lealdade para a voz. Então, ela veio. Mergulhou nas águas do
pensamento. Uma linda mulher. Cabelos pretos, olhos azuis como o céu, um
corpo escultural, uma deusa. Ela pegou o velho e o colocou em seu barco de
madeira. Colocou a mão sobre seu peito levando até o pescoço e então percebeu
que o colar do pescador não estava mais lá. Se afundara junto com ele e lá ficou,
na escuridão. A mulher pulou novamente, afim de resgatar a luz perdida do
velho.
O pescador, após alguns minutos acordou e então se levantou. Não pensou em
nada, apenas olhou para o céu. O mar continuava calmo. Mas ele sabia que a
mulher misteriosa tinha ido em uma missão de resgate. Ele ficou olhando
atentamente para o céu até a lua aparecer. Quando o primeiro raio de
resplandecência da lua surgiu no horizonte o homem já a chamou. A lua em
desespero veio até o velho e o olhou atentamente. Ficou nervosa achando que o
homem estava ferido e machucado. Mas o velho se sentia bem. Disse que uma
bela dama o ajudou, o aflorou. E que agora ele precisava de ajuda para
encontra-la, lá no fundo. Onde a luz não penetra, onde a luz é apenas uma
lembrança distante. A lua ficou pensativa. Disse que não poderia ajudá-lo, pois
de nada seria benéfico se sua claridade não poderia segui-lo. O pescador, ao
ouvir a resposta da lua, caiu em joelhos e começou a chorar. Disse que
precisava ir atrás da moça, para ajudá-la. A lua então falou com sinceridade para
o velho: “Você já foi novo e forte, amigo, fora justo e bravo. Mas agora sua pele
é fina, nada grossa, seus cabelos quebradiços, seus músculos moles e sua mente
fraca. Como poderá salvar uma dama se nem consegue levar a minha luz
contigo. O que desejas eu não lhe posso dar, mas, como meu belo cavaleiro,
como meu amigo, meu amante, lhe darei o último desejo. Desejo que homens
como você podem ter. Lhe darei uma juventude, por um tempo, apenas para
você naufragar e salvar a dama. Darei um pedaço de minha luz, como lâmina
cortante sob a escuridão. Assim, de um jeito você me levará consigo”.
O pescador enxugou as lagrimas de seu rosto e então aceitou o presente da lua.
A lua jazia uma luz forte sobre o barco, iluminando o mar em volta. O pescador,
antes com o rosto cansado e abatido, agora jazia uma pele firme e bem
composta. Seus músculos eram grandes e formosos. Sua mente rápida e astuta.
A lua lhe lançou uma espada de lâmina branca, cortante, que fincou na madeira
do barco. O pescador a pegou e examinou, fitando-a com carinho, assentiu para
a lua e então afundou, onde a escuridão reina, onde seus pensamentos são ruinas
para a alma, onde a tristeza pondera, onde o único refúgio era a morte. Ele
afundou em seu abismo, cheio de água escura e densa. A espada em suas mãos
iluminava o local, como um farol para viajantes distantes. Era um novo nascer
do sol, um novo resplendor, um novo homem. Ao chegar no mais fundo e
distante pensamento. Finalmente encontrara a moça que lhe salvou de seu
tormento. A dama de cabelos negros estava deitada, desacordada e cheia de
arranhões pelo corpo. O pescador a pegara pelos braços e tentou acordá-la, mas
não sutil nenhum efeito sobre o seu desmaio. O pescador então tentou levantá-la
para que saíssem daquele local sombrio. Porém, antes de começar a emergir
algo chamou atenção do homem. Uma luz misteriosa. Poucos metros de
distância. “Meu colar” pensou o pescador. Colocou novamente a moça no chão
e foi buscar seu amuleto. Quando chegou perto o bastante para pega-lo, uma
sombra bateu em seu peito. O pescador fora lançado para trás, caindo e batendo
sua cabeça no chão. Felizmente, sua pele estava forte e seus ossos duros como
ferro. Levantou rapidamente e pegou sua espada de luz luar. Iluminou em sua
volta e então viu um homem envolto por uma armadura de sombras. Era mais
densa que a escuridão do local, mais sombria que a noite, mais perversa que a
morte. O homem de armadura negra veio até o pescador e tirou sua espada de
lâmina vermelha da bainha e correu para atacar. O pescador se esquivou para o
lado e tentou acertar o homem de sombra pelas costas, mas o mesmo defendeu
com sua espada. Um choque foi visto, duas espadas, dois homens, duas forças.
O homem das sombras levantou sua perna e chutou o pescador na barriga,
jogando-o novamente para trás. O pescador pensou que ali seria o seu fim.
Pensou que a morte finalmente tinha o encontrado depois de tanto tempo.
Entretanto uma voz veio a surgir em seus ouvidos, uma voz doce. Uma canção.
O pescador percebeu que não poderia perder, não poderia morrer ali, não agora.
Ele tinha que voltar para a dama, deveria salvá-la, deveria voltar para a sua
esposa, sua linda dama. O pescador rapidamente pegou sua espada de luz e
esperou o homem de armadura escura chegar perto o bastante para um ataque
definitivo. Esperou, esperou. Então ele veio, seco, sem ardor, pronto para um
fim, para um ponto final. O pescador se abaixou rapidamente e fincou sua
lâmina de luz no peito do homem, atravessando-o. O pescador olhou para o
homem, e o rosto envolto pelas sombras finalmente se mostrara com o clarão de
sua lâmina lunar. Era o rosto de Halen. Era o rosto de seu filho. Do seu
guerreiro. Do seu primogênito. Halen olhou para o seu pai e lhe deu um sorriso.
Lagrimas caíram do rosto do pescador e então Halen se foi em pequenas
migalhas de pó. A moça continuou cantando. Agora, dedilhando lentamente
uma harpa. Passava os dedos nas cordas com indolência. Um acorde tão perfeito
que curou todos os machucados do pescador. O local onde era apenas escuridão
começou a se iluminar. Lá em cima, a lua começou a gargalhar, sorrindo e
festejando. Sua luz agora poderia adentrar. Poderia iluminar todo o abismo. A
dama continuo a cantar e a luz aumentou, iluminando enfim todo o local. O
pescador, estava em paz, finalmente em paz.