331 Desempregada

Não sabia inglês e, mesmo não havendo clientes ingleses, ela não servia para o emprego e veio a chorar para casa. Desde que deixara de estudar que queria um trabalho compatível não com o que sabia mas com a vida mansa que até ali tivera. Nos que conseguiu logo a dispensaram por pouco empenhada, por falta de pontualidade, por achar que as coisas tinham de ir ao seu encontro e não ela à sua procura. E a avó condoeu-se. Depois de atender a última mulher, apagou a vela, levantou o reposteiro da saleta, expôs todos os apetrechos de adivinha e pediu à jovem que entrasse, se sentasse no lado oposto da mesa e parasse de chorar. - Chora por dentro. Se queres vencer na vida, seca as lágrimas e redobra a atenção com que olhas as coisas. Tudo na vida se lê, disse. E a velha mulher de virtudes, conselheira, adivinha, contou o seu segredo maior. Ela não tinha dom algum para o ofício. Tinha arte que é a maneira mais inteligente de sobreviver às dificuldades. A moça, secou os olhos às costas da mão, assoou-se com força, largou o último soluço no lenço e olhou incrédula a velha de toutiço e óculos, de xaile negro, que tilintava pedrinhas polidas, alinhava os dados, mexia com o indicador as cinzas que ainda há pouco consultara para adivinhar os caminhos da que viera comprar esperança. - Tudo se lê, repetiu. No teu caso, não queres estudar, não queres aprender, queres mandar no primeiro dia de trabalho mas, ainda que te deixassem, não saberias mandar. O mundo divide-se em dois. O dos que sabem e o dos que julgam saber. Os primeiros não vão à bruxa, os outros vão pedir orientação. No meu caso, observo. Vejo como se veste, como anda, como olha, como se senta, como mexe com as mãos. A seguir anoto as rugas, os sinais de sofrimento ou indiferença, o cuidado com o corpo e o trajar. Depois penso, calo-me até que o silêncio magoe e a pessoa fale. Ela dará as coordenadas, dirá coisas sobre o sofrimento ou inquietação. A seguir, consoante o que me parecer, jogo os dados, os búzios, as pedras ou mexo nas cinzas. Dou sempre uma roupa larga onde cabe toda a gente. Dou também soluções de bom senso. E estendo a mão. - Sim, avó, mas eu não quero ser bruxa!

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 06/12/2020
Código do texto: T7129303
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