330 - O Colono
Depois de assinar o contrato, Manuel embarcou. Fugia da vida, da aldeia, da miséria. À mãe viu uma lágrima mas o pai apenas lhe estendeu, antes de sair, o canivete suíço porque iria precisar dele, disse. A esta distância fora, na verdade, uma prova de amor. Ao tempo criavam-se os filhos sem visualizar os afectos, sem carícias ou beijos. Tudo era pobre, austero e triste e ou iam a salto para França, ou ficavam a morrer à míngua ali, atrás da serra, num lugar onde tudo era pecado e todos policiavam o vizinho. Decidiu-se pelos barcos, fez-se marinheiro e foi para onde o navio seguia. Muito mar, muito enjoo, muito trabalho. Quando acabou o acordado, estava em África e decidiu ficar. Aprendeu depressa o que era imperioso saber, seguiu o grupo e chegou à Huíla. A terra fértil, o povo cordato, a vontade de ter terras e casa era o sonho. Para se fixar ali lhe davam tudo, do trabalho ao sustento, de terra a meios para erigir a casa. Fez-se assim, de novo à vida e prosperou, casou, encheu-se de filhos e de netos. Dele nunca deu notícias ou se as deu não chegaram aos seus pais ou irmãos. Morreram uns emigraram outros e o clã que era grande, ficou sem ninguém que velasse pela terra ou cuidasse da casa. Imaginava as silvas a invadirem a eira, o telhado aberto, as ruínas. Ângela professou, soube. Era a única que estava, sem estar, a salvo. Talvez ela tivesse fé, talvez ela fosse feliz. E Manuel cresceu por ali, fez amigos entre os colonos oriundos da Madeira, enriqueceu, ganhou o respeito de todos, ficou como uma árvore, a sofrer o tempo e as intempéries. Hoje havia sol e o ar era morno.