Sobre quinquilharias no alto da prateleira
- Achei lá no quartinho dos fundos, na última prateleira. Como foi para lá? Não sei.
Fala com esforço, meio sem fôlego. Nas mãos, uma caixa escura e leve. Dentro, um Fazedor de Sonhos.
- Quem deu esse nome?
- Um poeta, uai! Quem mais seria?
- Abre logo, vamos ver!
Destravada a caixa. Entre estalos e rangidos, surge um dispositivo estranho, lembra algo como uma caixa de música, mas sem bailarinas ou som algum.
- Está quebrado?
- Não sei.
- Chacoalha com força!
- Nada…
- Sente algum sonho vindo?
Fecha os olhos com força. Mentaliza.
- Não…
- Acho que o problema somos nós.
- Tem certeza?
- Sim! Você por exemplo, jogou fora esses dias um sonho de mais de 10 anos.
- Mas era muito antigo, os tempos mudam e...
- Depois, em plena quarentena, encheu um saco de pequenos sonhos novinhos e colocou na despensa.
- Sim, mas não me serviam mais e...
- Os meus enfiei todos numa caixa e escrevi "xérox para TCC". Quem lê essas merdas? Ninguém! Está lá na estante da sala, pra todo mundo não-ver.
- Tá bom, mas e o Fazedor de Sonhos? Como vamos fazer ele funcionar?
- Duas véias que nem nóis?
Disse rindo com aquele sotaque...
- Esqueça!
Emenda, toma a caixa e fecha com força.
Com um movimento leve de pulso, a caixa sobe alto para a prateleira, como se fosse basqueteira outra vez.
- Sandra, você devia voltar a jogar…
- Outro sonho justo... não me serve mais.
set 2020