Um longo caminho

Há muito tempo, em um lugar da Europa, uma família cristã vivia um dia após o outro. Levavam uma vida pacata no campo.

Artur era o filho mais velho, que ajudava Edward, seu pai, na lida do campo. A mãe, Charlote, era uma excelente cozinheira e bem religiosa, assim como o marido. Artur tinha duas irmãs, que já estavam casadas e moravam distantes. Artur não encontrou nenhuma mulher, que ele achasse que seria digno para casar.

Pai e filho só iam à cidade para comprar algum mantimento e, para isso, eles levavam o que haviam plantado para fazer a troca pelos mantimentos necessários.

Naquela manhã, resolveram ir à cidade e ao chegarem, ouviram o burburinho de alguns homens perto da Taverna e se aproximaram.

— O que está acontecendo? – Perguntou Edward.

— Homem, você não sabe o que está acontecendo? Onde você vive? — Perguntou um homem robusto e forte.

Artur olhou para o homem e disse:

— Fala, logo! Homem! Desembucha!

— Meu nome é Robert! — Falou olhando para o Artur e depois para o pai dele.

— Vocês já ouviram falar no papa Urbano II, não é?

— Sim. — Respondeu Edward.

— O papa está chamando o povo para marchar até Jerusalém e reconquistar nossa terra.

— Jerusalém, a cidade sagrada, ou Terra Santa, que os muçulmanos não deixam os cristãos entrarem nela, eles dificultam o quanto podem, não é isso? — Perguntou Edward.

Apesar da família morar no campo, afastado da cidade, Edward sempre procurou ficar bem informado de tudo o que estivesse acontecendo. Então, nas idas para comprar mantimento, ele procurava saber das novidades.

— Exatamente. — Respondeu Robert.

Artur estava muito quieto. Não falou nada e ficou olhando para o pai.

Quando estavam a caminho de casa, numa carroça, Artur olhou para o pai e perguntou:

— Pai, não está pensando em ir nessa marcha, está?

— Artur, ouvi falarem que essa marcha se chama Cruzada. O motivo é nobre. Reconquistar nossa terra sagrada. Por que não?

— Mas, pai, muitas pessoas irão morrer! Será que vale a pena?

— Artur, você, mesmo crescendo como cristão, nunca foi como eu, sua mãe e suas irmãs. Por quê?

— Pai, sou cristão. Só não sei se vale a pena.

— Em nome da nossa fé cristã, vale a pena sim.

Permaneceram calados o resto do caminho. Em casa, Edward contou para sua esposa o que estava acontecendo e Charlote concordou com o marido de partirem nessa jornada juntos. Iriam se juntar à Cruzada.

Artur não tinha o que fazer, mesmo não querendo participar, iria com seus pais, até para poder protegê-los, pois nenhum argumento seu iria impedi-los.

No dia marcado para iniciar a Cruzada, todos do povoado estavam em frente a Taverna. Além do povo, os nobres também se juntaram a eles. Quem tinha cavalo a mais, cedeu para quem não tinha.

E, assim, iniciaram a marcha para Jerusalém. Todos usavam cruzes vermelhas, indicando a motivação religiosa para o que estaria por vir.

Ao longo do caminho, os cruzados iniciaram as batalhas. Por onde passavam, sitiavam as cidades. Começaram a ter várias dificuldades, como a falta de água. Muitos cavalos já não aguentavam mais transportar alguém ou mantimentos, pois estavam fracos, não havia mais água, nem para os pobres animais. As privações foram muitas. Alguns bebiam da própria urina, outros até sangue dos animais, para se manterem de pé. Eram cenas lamentáveis.

Numa noite, em que estavam acampados, Artur abraçado com sua mãe, que estava muito cansada, disse:

— Pai, isso tudo ficará cada vez pior! Nem água temos mais! Daqui a pouco acabarão os mantimentos.

— Filho, nós conseguiremos.

— Como, pai? Se nem os cavalos estão aguentando! Muitas pessoas já morreram. Não consigo entender como.

— Artur, meu filho, olhe para mim — pediu a mãe — o que nos move é a fé em Cristo. Então, seu pai está certo, nós conseguiremos chegar e retomar a nossa Terra Santa.

Artur nada respondeu. Ficou pensativo. Ele cresceu em uma família totalmente cristã, com uma fé inabalável, mas ele não conseguia ter a mesma fé que eles. Não sabia o porquê, mas achava que as pessoas não deveriam ter uma fé extrema ao ponto de se envolverem em uma Cruzada para retomar a cidade que lhe foi tirada no passado. Mas, resolveu não falar aos pais o que pensava, pois eles não entenderiam.

No dia seguinte, continuaram a jornada. Por onde passavam, cidades eram sitiadas, e o povo acompanhava na Cruzada. Alguns morreram de fome e sede.

Levaram alguns anos, até que chegarem em Constantinopla. Um contingente de 10.000 pessoas aguardava instruções para os próximos passos.

A família de Artur havia conseguido chegar. O caminho foi muito duro e árduo. Agora teriam que aguardar, para saber o que aconteceria.

Artur não foi deitar logo, ficou andando em volta, pensando em tudo o que havia acontecido naqueles anos e que ainda não tinha terminado. Estava tão compenetrado em seus pensamentos que bateu em alguém e acabou tropeçando e caindo. Ao se levantar, Artur estava pronto para falar, quando olhou para a pessoa, ficou mudo, era uma mulher, mais ou menos próxima a sua idade, mas estava vestida como se fosse um homem.

— Desculpe-me rapaz, não o vi e acabei trombando com você.

— Eu é que peço desculpa, estava pensando e não prestei atenção por onde andava. Meu nome é Artur. Como a dama se chama?

— Dama? Do jeito que eu estou vestida? — Deu uma sonora gargalhada — meu nome é Rose.

— Já que mencionou esse fato, por que está vestida assim?

— Para ficar mais fácil para andar a cavalo, se locomover. Esses vestidos são horríveis para isso! E eu queria ajudar, não ficar apenas de companhia as outras mulheres.

— Você veio com sua família?

— Não. Meus pais faleceram quando era criança. Não tenho irmãos. Cresci num convento, onde recolhiam as crianças órfãs. E, quando fiquei sabendo dessa Cruzada, não pensei em outra coisa e sai do convento e me juntei ao povo. Peguei algumas roupas num varal e aqui estou. E, você? Veio sozinho?

— Não. Vim com meus pais. Ao contrário de você, eu não queria vir nessa Cruzada, mas meus pais insistiram. Então, vim para protegê-los.

— E caiu no chão por minha causa. – Disse rindo.

Artur começou a rir também e ficaram conversando por um longo tempo, até que cada um foi para o abrigo dormir, pois no dia seguinte retornariam à jornada, rumo a Jerusalém.

Ao amanhecer, foi dado o toque para todos acordarem e se prepararem. O comandante reuniu todos e dividiu o grupo em pequenos exércitos. Rose ficou no grupo de Artur e seus pais. Ele deu um sorriso para ela, que retribuiu.

Seguiram o caminho. Os cruzados conquistaram duas cidades, a de Niceia e a de Antioquia. Um tempo depois, os exércitos invadiram Jerusalém, houve um grande massacre contra os muçulmanos que moravam ali.

Artur e sua família, após a chegada a Jerusalém e tudo o que aconteceu, decidiram voltar para casa. Artur procurou por Rose, mas não estava conseguindo encontrá-la.

No trajeto de volta para casa, Artur ficou lembrando de Rose e pensando se um dia iria encontrá-la novamente. Mas, o que ficaria em sua memória seriam esses anos de Cruzada, o que passaram, o que fizeram, em nome da fé, da religião.

Cristina C C Vieira
Enviado por Cristina C C Vieira em 29/11/2020
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