323 - Inverno
Foi boa ideia acender a lareira logo que o sol, tímido, apareceu. Dulce, embiocada no xaile de lã, concordou acenando a cabeça. Agora, rilhadas as couves do caldo, Maria tinha braseiro abundante para cozinhar o jantar dos três. Manuel, sentado num banco perto do lume estendia as mãos para as amornar. Acabara de entrar e trouxera com ele uma aragem gelada, pequenos flocos de neve no capote, o cão arrastado pela coleira. Mesmo sem pelo comprido, o bicho ainda queria cheirar tudo antes de entrar na casa onde, numa velha seira de figos, lhe fizera o dono cama aconchegada. Depois que os filhos saíram a casa de pedra ganhara espaço e sombras. Daí o cão e o gato, as visitas frequentes da Maria, a releitura das cartas antigas para tapar o vazio das que demoravam mais a chegar. Bateram ao ferrolho e o cão ladrou. Era o vizinho que trazia a parte deles da cozedura do pão no forno da aldeia. Entrou para o cálice de aguardente mas não se sentou.- Se me sento ao calor adormeço e ainda tenho coisas a fazer. Saiu compondo o capuz sobre os olhos, batendo as mãos e os pés para acordar as veias. Maria colocou na mesa de carvalho os pratos desiguais, os copos para o tinto, a broa de milho já cortada em três grossas fatias e o peixe, as batatas cozidas e a garrafa do azeite. Cheirava o queijo de cabra e no pote de barro havia, negras, azeitonas novas. Cada um bichanou para si um agradecimento e todos, com mais ou menos apetite, fizeram as honras ao jantar. A seguir, recolhidos os velhos, Maria dava volta às brasas depois de lavar e arrumar tudo quando ele, faminto, chegou. Ajeitaram-se na mesma cama depois de Juvenal ter comido os restos do jantar e bebido uma malga de vinho. – Não os acordes. Vejo-os amanhã ao café, disse.
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