O legado trazido do Japão, após dois anos de intercâmbio num país de primeiro mundo, não cabia em sua mochila. Encantada estava pelos costumes nipônicos e hábitos ocidentais. As regras de polidez e contato físico eram as únicas atitudes com as quais não concordava, era uma exímia brasileira apaixonada por abraços calorosos e beijos quentes. Havia uma prática na terra dos mangás, com a qual se identificava profundamente: a limpeza da casa como atributo para a recepção do novo ano. E como era dezembro, resolveu “desvestir” a estante repleta de livros, dando um novo conceito, já que a organização veio como item promocional, depois da incorporação da cultura. E assim foi, retirando um a um, e numa atitude de surpresa e espanto viu-se diante de uma relíquia empoeirada, esquecida em segundo plano, naquela prateleira. A escada virou estante e debruçada aos degraus, folheava o livro que passou em sua vida como um furacão, pois se tratava de um romance proibido  entre Riobaldo e Diadorin, O Grande Sertão, de Guimarães Rosa. Em meio a suspiros de angústia, ela desceu vagarosamente cada degrau e sentou-se no tapete, em meio às cortinas esvoaçantes que traziam o ar para amparar aquela lembrança. Embora não fosse jagunço, Estevão era filho do maior inimigo de seu pai, por causa de terras devolutas. A carta de despedida pesou tanto aquele livro. Ela abriu o envelope borrado pela ação do tempo, e sentiu o perfume. Seus pensamentos voaram até 1980 e o toque doce de Estevão em seu pescoço sentiu. Lembrou-se de seu pai, ao castigá-la, enviando-a para Mercês para concluir os estudos. Das lágrimas da mãe, vistas nos olhos fundos pela manhã. O amor entre eles era um sonho... E as dores eram lembradas vez ou outra. Abruptamente invadida pela voz de Estevão ao fundo, perguntando sobre a xícara de café. Ao vê-la com a carta na mão, repetiu: -Você gosta de sofrer, por que  não joga isso fora? Estamos juntos... - Para lembrar que nem todo romance tem final infeliz! Juntou tudo e foi atrás de um café, resmungando por não ser como o dos orientais.
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 18/11/2020
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