319 - O Atleta

Mordeu a medalha para verificar se seria de ouro. Achou idiota morder medalhas e ficar a saber o mesmo por nenhum sabor ter o ouro. Se fosse ferrugem , o óxido de ferro sabia vagamente a terra embora cada terreno tivesse o seu paladar, imaginou olhando pela centésima vez a medalha que lhe pôs ao pescoço o Presidente, um gordo risonho que quase lhe destruiu os dedos com a força prolongada dos parabéns. É, José Augusto, desta vez valeu o sacrifício, valeram os treinos, o levantar cedo e deitar sem nada de excitante ter acontecido com o teu corpo magro mas cheiinho de vontades que ficavam, sempre, para depois. Disse-lhe a prima que as borbulhas eram as hormonas inquietas e tê-las assim na idade dele, que beirava os vinte e cinco, era bom para o atletismo e muito mau para o resto. Eu, disse-lhe, posso até ser considerada leviana, permissiva, de espírito mais aberto que o usual nas meninas de dezoito anos mas, pelo menos, tenho as hormonas em paz e a pele lisa. Se perco casamento? Nunca pensei sequer em casar, acho que não teria vocação nem mamas que se deixassem sugar e vou com os modernos no que toca a alimentação de crianças. Defendo tudo ao natural embora me ponha como excepção nessa conversa. Pois, Zézinho, renovo os parabéns, congratulo-me por teres ganho o ouro desta competição, achei a taça um luxo de linda. Desta vez não te trouxe flores só porque nunca supus que ganhasses. Prometo trazê-las para a próxima mas fico a desejar que isso não aconteça sem, antes, falares com as hormonas. Se quiseres fazer outros treinos, telefona. Habilito-te a ganhar um jogo sem taça nem medalhas.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 17/11/2020
Código do texto: T7113987
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