Um tamborim pra mim – conto de carnaval
Eram três moças irmãs e na fina flor da adolescência. Idades bem próximas e temperamentos tão distintos e distantes quanto o Oiapoque e o Chuí. Na semana do carnaval, os planos foram feitos cada qual para ser seguido à risca. A irmã mais velha iria cair no samba do despontar da primeira estrela da sexta-feira até a quarta-feira de cinzas se pôr. A fantasia de borboleta já estava comprada, peruca colorida e agenda das apresentações de todos os blocos cariocas nas mãos além do ingresso para o desfile da Mangueira. Tudo pronto e coberto de gliter.
A irmã do meio, não curtia folia e aproveitaria o momento no retiro, descansando com os amigos da igreja, que eram numerosos. Seriam três dias em um belo sítio, com muito churrasco, jogos, palestras, momentos de comunhão e oração, além do tão esperado chamego no boy, quando o líder estivesse ocupado. A mochila estava pronta incluindo todos os itens. Apostilas, jogos e muito protetor solar. Só não valia dormir demais, para não correr o risco de acordar com creme dental nos cabelos.
A irmã caçula queria mesmo era aproveitar a casa vazia e se entregar aos prazeres da Netflix. Maratonando séries e revendo os filmes favoritos sem ninguém incomodar. Já havia abastecido a geladeira e substituído as claras cortinas por black outs. Pipoca amanteigada aos montes e WhatsApp disponível para atualizar os stories com as melhores cenas e papear com quem estivesse na mesma vibe.
Criadas pela avó, que morava em uma casa na mesma vila, as moças desde pequenas eram três diferentes universos na mesma galáxia. Ou três galáxias distintas, ou ainda três peças de um quebra-cabeças incompleto. Davam-se bem, mais pela figura da avó, que já chegava perto dos noventa anos e exigia cuidados.
Chegaram em casa as moças mais velhas depois dos dias festivos repletas de sorrisos e histórias pra contar. A mais nova ouvia com atenção, com as energias renovadas sorrisos virtuais, unhas feitas e muitos bocejos, cuidando para não dar nenhum spooler de tudo o que conseguira assistir.
Três dias depois do ano ter oficialmente começado após o colorido e musical feriado, a velha avó não resistiu a um AVC e faleceu nos corredores do hospital Salgado Filho. Durante o sepultamento, entre os familiares mais próximos e alguns amigos chegados, as irmãs, de mãos dadas e vestindo roupas escuras e sóbrias, igualavam-se e compartilhavam as lágrimas igualmente claras, poucas e sentidas. Sem sol, sem música e sem cor.
A alegria difere as pessoas, acentua as particularidades. As alegrias são muitas e multicoloridas, assim como os confetes de carnaval e como as borboletas pousadas distraídas sobre a lápide. A dor iguala e nivela. Nas cinzas o tom é único e o ritmo também. Elas, as moças, agora eram iguais. Dizem que saíram abraçadas do cemitério. O pensamento agora também era único. Pensavam juntas, de forma que quase chegavam a ser audíveis as palavras do homem mais sábio que já existiu: "Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração". Na dor somos iguais, até que novos banquetes, cores e festejos nos diferenciem.