313 - De Esperanças
Nascia-se ao natural. Nas casas ricas uma mulher da terra presidia ao parto, limpava a um lençol a criança, media três dedos travessos, cortava-lhe o cordão, punha-a junto ao seio da parturiente para que, tendo fome, mamasse. Mais tarde matavam a galinha e faziam canja. Arroz, ovos de vários tamanhos, o peito desfiado, uma folhinha de hortelã a boiar na malga. Contava sua mãe que ela nascera sem ajuda, que aos gritos ninguém acorreu, que o carvoeiro ainda espreitou tempo bastante para se assustar e, quando a mulher de virtudes enfim chegou a mãe estava exausta, sanguinolenta, aliviada. Tratados os precisos gemeu horas até que António chegasse do trabalho para arrumar o que a mulher não podia, para por de molho a roupa suja, para acalmar a menina que saíra revoltada e estava roxa de frio. A parteira, sentindo que não era grande o negócio, tomou as moedas separadas e saiu praguejando insensível à mulher que, exposta, lhe pedia a bênção de um favor. - Vossemecê está bem e daqui para o lugar de onde vim tenho, bem medida, uma légua de caminho e anoitece. Faça o que lhe arranjou o sarilho alguma coisa, que ter família é comer, nos dias que correm, pão duro ou migas sem azeite. Saiu batendo a porta, ajeitando o lenço sobre a testa, metendo no bolso do avental as moedas. Poucas morriam a dar à luz mas muitas ficavam rasgadas, no inferno das dores, a lavarem-se com chás caseiros e sabão azul quando havia. Nisto meditava Maria, afagando o ventre onde aos pulos o crianço se mexia. Consigo, prouvesse Deus, haveria de parir num hospital, acompanhada e cuidada, em sala própria e com médicos preparados para todas as eventualidades. Agora os meninos são um luxo e, quando ameaçam a mãe, tiram-nos sem problemas, lindos, lisos, a bem dizer uns príncipes. De cada dez, nove vêm a contragosto, pensou.