312 - Emoções
Hoje não tenho nada para contar, disse-me olhando para o outro lado do mundo que começava para lá da janela. O que poderia contar, já sei. Haverá uma ou outra coisa de que me esqueceria mas só para poder manter secreta a emoção. Ah, a emoção! Ainda só habitavas o outro lado dos lugares onde estivesse e já os meus olhos te seguiam, escravos apaixonados, tímidos sempre. Um dia, haverias de tocar-me com um só dedo nas costas da mão. Rias como se nenhuma importância tivesse e era em mim que o tornado fazia rodar e partir tudo, punha o coração aos saltos, a bater na boca muda, a latejar no sangue que velozmente ia e voltava. E eu morria! Vivia! Era eu que ficava com as palavras engasgadas, a boca seca, a febre a crescer sem que pudesse, ao menos, refrescar-me na tua mão tranquila. E depois…nada! Dias distante só porque não me olhavas, dias magoados de incerteza, todas as vozes abafadas para que te pudesse ouvir ou, se nada dissesses, adivinhar. Tive de conversar muito comigo, convencer a pele a não gelar, nem suar, nem, tão pouco, se ausentar quando viesses. E um dia, vieste e eu dormia. Entraste-me pelo sono adentro e não pude precaver-me, nem sentir-te mais , nem saber que era a tua boca que parava na palma da minha mão abandonada. Recordo que quando acordei estavas séria, tímida, como criança apanhada em falta. Sorrias, ainda doce, ainda de olhar baixo, ainda sem saber o que fazer dos dedos que torcias. – Esperei que me falasse e tudo o que não disse li na verdade dos silêncios. Sou mulher prática, não suporto ambiguidades e gosto de si. Namoramos? E a minha boca abriu ligeira e leve, hábil e fluente, com reflexos de uma alegria de champanhe a borbulhar na taça fria. E sem sequer pensar mais no que dizia, respondi: não quero perder mais tempo. Casamos.