310 - O Peixe Seco
Aceitou o trabalho e entrou na fila para o almoço. À entrada do recinto viu as tigelas de alumínio, todas a denunciar os maus tratos da limpeza. Fez como viu fazer e pegou numa, chegou perto do caldeirão da comida, estendeu o braço e veio comer para longe dos outros. Era novo ali. Depois de acabar lavou a malga e encheu-a de água que bebeu como se trouxesse sede de muitos dias. Escorreu o líquido pelo queixo, pelo peito, barriga e pernas. Encheu novamente o recipiente e repetiu os gestos. Estava um calor intenso e o ar era pesado de um cheiro forte a peixe. A seguir deram-lhe uma faca e mostraram a pilha de carapau para limpar de vísceras, salgar e colocar em pilhas que alguém levaria para expor ao sol forte para secar. O chefe mostrou-lhe como fazer e, no minuto seguinte, gritava para que se despachasse. Importava fazer lugar à nova remessa de peixe a chegar do batelão ancorado ao largo da praia. O segundo peixe foi mais rápido e, nos seguintes, aprendeu melhor a força e o trajecto da lâmina, o caminho dos dedos a puxar as guelras e as miudezas, a passar na água suja de outras lavagens, a mão no sal, o empilhar do peixe aberto que gotejava um líquido amarelado fedorento. Ao final do dia, quando acabou o serviço, as mãos estavam geladas e dormentes. Lavou-se na praia com os calções vestidos, colocou a camisa destroçada sobre os ombros e foi para o pátio onde já muitos tomavam lugar para o jantar. Ninguém falava. Ninguém tinha necessidade de falar. O cansaço, o calor e o cheiro característico faziam com que os espíritos fechassem, isolados cada um na sua ilha. Viu alguns beber cachaça na cantina e, já deitado na tarimba que lhe reservaram, escutou-os cantar antes de se apagar o desânimo. A lua era nova e a luz frouxa.