309 - Os Colonos
Morava longe da Vila, numa extensão de terreno sem marcos nem medidas. Ia e vinha com os produtos da terra que vendia de porta em porta ou, com sorte, num comércio que ficava com tudo pagando na mesma altura. Regressava levando, no atrelado da moto, o que fazia falta: sementes, comida para a vaca, víveres, artigos de higiene. Fazia parte daquele lugar e, os vizinhos, gente boa, agricultores artesanais, permutavam entre si o que houvesse para trocar. Joaquina fazia a costura dos panos garridos transformando-os em roupa do mesmo modelo e tamanho variável que expunha e vendia na loja onde havia apenas o que os clientes compravam: peixe seco, óleo de palma, petróleo, sal, sabão, amendoim , milho, farinha para o pirão e os “quimonos” que vestiam as mulheres da localidade. Falavam o dialecto e respeitavam-se. Muitas crianças tinham os nomes deles e aqueles trinta anos pareciam não ser tantos tão depressa foram passando. Não tinham filhos mas nenhum deles quis saber quem não podia. Amavam-se com um querer habituado, feito de coisas simples e vida cansada. Cães, um gato e alguns bicos que andavam soltos e recolhiam só ao anoitecer. Foi assim até virem os boatos de guerra, os medos, o desvario das populações, as pernoitas na Vila em casa de quem calhasse e, por fim, a desistência. Choraram ao vender a vaca, distribuíram os bens pelos vizinhos e rumaram aos centros de acolhimento em busca de calma e companhia. A seguir estavam no aeroporto e ao outro dia, sem nada de seu, viram Lisboa antes de regressarem à aldeia onde já ninguém os conhecia. Joaquina ganhou febres e morreu e Manuel, velho também, passa os dias na taberna a jogar cartas.