O meirinho anunciou meu nome, subi ao palco e fiz o discurso: - O ponto onde cada um de nós chegou, é resultado de um esforço extraordinário. Não basta sobreviver. Não basta a respiração, a inflar pulmões. Não basta a dinâmica de sinapses evoluindo em pensamentos. Somente, solitariamente, temos consciência o real preço de cada coisa em sua vida. A conquista, a derrota e o empate. O que deixamos de aproveitar, pelo o quê nos sacrificamos? O quanto tem o pé esquerdo no direito, e quanto tem o pé direito no esquerdo. Ninguém vem ao mundo com uma clásula de habilidade. Adquirimos conhecimentos, técnicas e competências. Perspetiva é fundamental, é um estudo matemático e artístico que nos dá a dimensão do ponto onde estamos em relação aos outros. É a perspectiva que me informa que a cada etapa da vida, tenho que viver conforme uma evolução. Tenho que fluir tal qual uma metamorfose da borboleta. Já vivenciamos crises econômicas até mais graves que a atual. Porém, nunca vivenciamos tamanho colapso da ética e de valores. Há um deserto de valores e nos deparamos numa encruzilhada onde escolhas nos sabotam. Somente a educação pode restaurar o aprendizado da ética, a necessidade pungente de valores como honra, boa-fé e dignidade. Agradeci, ao final. Desci do palco. Suava feito um porco preste ao abate. Lá fora, uma chuva fina batia no vidro, produzindo um tilintar misterioso, como quisesse trazer semânticas sussurantes...e adivinhar o futuro. O que ocorrerá amanhã, depois da aurora? Quando acabará a pandemia? O festival de ansiedade e máscara não cessa. E, as pessoas procuram um "novo normal". Restabelecer rotinas. Restaurar hábitos, cumprir procedimentos com ares contemporâneos e com medos medievais. Preciso novamente de perspectiva. A mera lógica cartesiana não me serve mais. A aritmética de números exatos, não me faz entender o infinito, nem o cálculo estrutural para erguer pontes ao invés de muralhas. Não aguentei ficar no evento por mais tempo, chamei o táxi e, fui para casa. A maquiagem pesava no meu rosto, os sapatos altos massacravam o meu joanete. Estimado joanete, estou escrevendo um conto e, mencionei você: por favor, seja mais cordial comigo e passe a doer menos! Minha fala breve causou impacto, não sei se pelo teor filosófico ou pelo excesso de sinceridade. Sempre odiei ocasiões públicas e a pantomima das pompas e circunstâncias. Sempre tenho a impressão que sofrerei afogamento em meio a tantos egos inflados. Nunca fiquei sabendo do placar final.